5 | O terceiro filho

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Esperei por dez segundos outro pronunciamento da tal voz misteriosa, mas ela não reapareceu. Demorou bastante, e me senti como se estivesse esperando o auxílio emergencial do governo cair na minha conta em tempos de crise.

— Será que estou ouvindo coisa? — perguntei a mim mesmo, sentindo-me como a Nazaré Tadesco na cadeira, em "Senhora do Destino".

— Não, não está — afirmou a pessoa intrusa.

Com medo, peguei, sem pensar, o primeiro objeto que vi à minha frente — uma banana no cesto de frutas acima da mesa — e apontei para a região escura, mostrando que essa era a minha melhor defesa.

— Estou com uma espingarda, viu? — avisei, o tom sério. — Quem está aí?!

Ouvi uma risada bonita. Já sabia que não era a apresentadora Eliana, então.

— Não há espingarda na minha casa, mas é hilária a sua tentativa de me afastar. — A pessoa enfim surgiu na claridade da cozinha. — Olá.

Rapidamente, admiti uma compostura admirada, e isso ficou muito bem enfatizado no quão arqueadas estavam as minhas sobrancelhas bem feitas. O tal ser humano misterioso era um rapaz que tinha o tom de pele muito parecido com o da cantora Leona Lewis — achocolatado, do tipo que eu daria para ter — e lábios tão rosados quanto minhas bochechas ficavam quando eu tentava falsificar minhas notas ruins no colégio e minha mãe descobria no dia seguinte. Seu cabelo estava cortado no número um. Os olhos, em uma sincronização perfeita com sua pele, tinham as íris idênticas à cor mel.

Sob a claridade da cozinha, eu podia ver um risquinho diagonal um pouco depois da metade de sua sobrancelha direita, feita por uma máquina de cortar, e um brinco pequeno e branco na orelha esquerda, apenas. Notei que o estilo do moço era bem... peculiar, digamos. Talvez essa impressão ficasse sob uma evidência ainda maior ao considerar que ele estreitava o olhar com um quê de diversão para mim. Era um olhar travesso, de quem não deveria ser confiado.

Já está julgando as pessoas, Demétrius? Por que não espera mais dez segundos para começar a fazer isso?

— Quem é... você? — perguntei, lutando contra a minha forte percepção do quanto ele era bonito.

— Júnior. Filho mais velho da família que mora aqui. — Sua voz era naturalmente gostosa. Será que era só a voz?

Semicerrei os olhos.

— Filho? — repeti, observando seu corpo. — Mas você é...

— O quê? — Ele cruzou os braços, ficando ainda mais alegre. — Negro?

Quê?! Nada a ver! Eu ia dizer que ele parecia ser muito velho para ser filho de uma mulher aparentemente tão nova. Contudo, só por conta da sua falsa acusação, resolvi entrar na onda.

— Hã... é. Quer dizer, eu não sou racista, juro. — Larguei a banana na mesa. — Ficaria confuso também se a família inteira fosse negra e você fosse branco.

Ele curvou um pouquinho a boca para o canto. Percebi que Júnior estava me examinando, talvez para confirmar que eu não seria o tipo de pessoa que pegaria algum objeto valioso daqui e o levaria na minha mochila. Agora que ele estava aqui, eu não poderia mesmo roubar nada.

— Então você não é racista — concluiu, descruzando os braços.

— Claro que não. Prova disso é meu último namorado.

— Seu último namorado era negro?

— Não. Mas ele tinha três manchas pretas nas costas.

Júnior ergueu uma sobrancelha. Eu esperava que ele soubesse que era brincadeira.

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora