1 | O término

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[Segunda-feira, 30 de novembro de 2020]

O dia tinha começado quase tão bonito quanto eu.

Acordei com aquele sorriso no rosto, típico de quem não precisaria mais se preocupar com a faculdade, estiquei meus braços para cima, espreguiçando-me, bocejei duas vezes e consumi mais alguns minutos para deixar minha cama confortável. Ao abandoná-la, esfreguei as pálpebras e caminhei sonolentamente para o banheiro do meu quarto. O cansaço era um efeito bom de dormir além do que deveria.

Foi na sexta-feira passada que entrei definitivamente de férias da minha faculdade de Letras. Melhor do que isso: eu já tinha terminado o curso definitivamente, o que significava que agora poderia dormir até tarde. Eu só estava à espera da minha formatura, que ocorreria na metade de fevereiro, e ansioso demais para pegar aquele canudo e dizer "eu mereci essa porra, então destino meus agradecimentos a mim mesmo". Ou algo parecido com isso.

Enquanto escovava os dentes, tentei cantar uma música da Katy Perry (aquela cantora lá que descobriu que beijar garotas era legal) e torci para não ter invocado um demônio atrás de mim ao errar o inglês mais do que acertava. Fitei meu reflexo no espelho para garantir que nenhuma assombração apareceria. Meu ex tinha se mudado para outro estado, então eu poderia ficar tranquilo quanto a isso.

Quando saí do banheiro, puxei meu aparelho da cômoda, o rosto percentualmente mais ativo (só o rosto mesmo, pois eu ainda era passivo), e liguei o 5G. Descobri que meus créditos já haviam acabado, então disquei o número certo para pedir R$ 5,00 de saldo emprestado. Sorrindo mais, murmurei para a operadora:

— Vai sonhando que eu vou pagar tão cedo...

Uma mensagem apareceu na tela, cortando minha fala pela metade. Notei que eu já tinha pedido crédito emergencial.

— Que porcaria — resmunguei, a testa franzida. — Isso é racismo!

Sim, sempre gostei de julgar coisas sem sentido apenas para a minha satisfação pessoal.

Não tive outra escolha: liguei o Wi-Fi. Eu poderia ter feito isso antes de ter acionado o 5G, mas a Internet dos dados móveis era mais veloz. O Wi-Fi era quase tão lento quanto as pausas nos discursos de um certo presidente aí do Brasil. Não tendo sucesso em conectar à rede (tentei fazer isso várias vezes para ter certeza de que havia um problema no Wi-Fi), bufei e saí do meu quarto, indo reclamar com meus pais sobre o ocorrido.

Na cozinha, olhei para minha mãe com certo horror na face.

— Acredita que a vizinha trocou a senha dela de novo?

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Sério? — Seus olhos azuis, dos quais herdei, foram focados no meu pai, que lia o jornal. — Querido, você ouviu?

Minha mãe, meu pai e eu tínhamos características faciais muito semelhantes, o que chegava, de certo modo, a ser chocante. O cabelo de Solange, minha velha, era preto e ondulado; o de Mário, meu pai, era castanho e liso, do qual eu puxei. Além de sermos parecidos, tínhamos alturas muito idênticas, ultrapassando os 1,7 m. Respectivamente falando, Mário, Solange e eu tínhamos 1,77 m, 1,71 m e 1,75 m.

Tudo bem. Se você, leitor (te chamarei de Ariel, pois não sei se você é homem, mulher, uma sereia ou uma marca de sabão em pó falante), olhasse para mim, provavelmente diria que sou um rapaz padrãozinho de vinte e cinco anos, com uma genética boa e um corpo gostosão. Só queria que soubesse, antes de me julgar erroneamente, que isso não era bem uma verdade.

Eu tinha vinte e dois anos.

Apesar da idade nova, meu rosto não fazia jus a ela. Desde criança, já aparentava ser mais velho do que realmente era, provavelmente porque comecei a ter barba bem cedo. Se por um lado eu poderia ir ao cinema assistir a um filme de 18 anos, quando, na verdade, eu tinha 16, por outro lado era chato ter que ouvir frequentemente um "nossa, mas você não parece ter essa idade!" nos momentos em que eu informava quantos anos tinha. As pessoas pararam de dizer isso depois que comecei a falar "cala a boca e vão tomar no cu".

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora