10 | O reencontro

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[Quinta-feira, 17 de dezembro de 2020]

Hoje era aniversário de Juliano, e tanto ele quanto Camila estavam na minha casa à noite. Nós três nos arrumávamos para a festa que haveria na residência de um dos amigos do nosso aniversariante — uma festa que basicamente se resumia a bebidas, música e conversa fiada. Juliano quis algo o mais simples possível. Quando ele me informou que não queria chamar atenção demais neste ano, ri ao me lembrar das coisas que eu exigia no meu aniversário de sete, oito anos. Uma vez eu perturbei meus pais para que eles me fizessem virar amigo dos Power Rangers.

— Como vai o emprego de babá? — Juliano, perguntou, me abraçando por trás, enquanto que eu, diante do espelho do meu guarda-roupa, arrumava meu cabelo. Camila se arrumava no meu banheiro. — Já bateu nas crianças quantas vezes?

— Em todas possíveis.

Ele sorriu, os olhos verdes alegres.

— Mas você está gostando delas?

Levei em consideração todos os motivos que me fariam dizer "sim" para a pergunta e fiz o mesmo com aqueles que me forçariam a usar o "não". Por incrível que parecesse, não encontrei atitudes negativas daquela duplinha em nossa primeira semana de convivência, e isso era, certamente, extraordinário. Eu achava que, em apenas dois dias de trabalho, meu nome apareceria nos jornais da TV com a seguinte manchete: "rapaz de vinte e dois anos, babá, é preso pela polícia porque, para fazer as crianças calarem a boca, colou os lábios delas com uma cola super bonder".

— É... até que estou. — Com um suspiro, murmurei algo que fazia muito sentido: — Elas são melhores do que eu era quando tinha a idade delas.

— Acho que qualquer ser humano seria.

— Engraçadinho. — Pior que era verdade. — Tá certo, eu aprontava bastante na infância. Mas aí percebi que tinha que parar com isso, pois constantemente eu ouvia uma vozinha dizer "ei, o que você está fazendo é muito errado, Demétrius" todas as vezes em que eu tentava roubar alguma coisa do supermercado, por exemplo.

— Sua consciência.

— O quê? — Fitei seus olhos no espelho.

— Isso que você ouvia era a sua consciência falando.

Ergui as sobrancelhas.

— Ah, não! — sorri. — Estou falando das vozes dos guardas de segurança que me pegavam roubando.

Juliano riu, o sorriso largo e bonito aparecendo, e me soltou.

— Não acredito que não cheguei a te conhecer desde a infância.

— Amigo, vai por mim, você não iria querer isso — afirmei. — Ninguém gostava de me ter por perto. Às vezes eu reclamo das crianças, por achar que todas elas são uma prévia do que teremos que enfrentar quando formos para o inferno, mas eu era um capetinha. Meus pais podem me amar hoje em dia, que sou adulto. Antes dos meus dez anos, porém, eles queriam contratar um exorcista para mim.

Isso não era verdade, claro, já que minha família não tinha esperanças de que nem um padre poderia me "curar", mas não pude deixar de brincar.

— Tudo bem, chega de falar de mim. — Virei-me para Juliano. — O dia hoje é seu. Amor, me desculpa mesmo por não ter conseguido te dar um presente, tá? Eu realmente queria te dar uma coisa. — Estava torcendo para que ele soubesse que essa frase não tinha nenhuma relação com o meu corpo.

— Para com isso. — Seu olhar por trás dos óculos quadriculados ficou afável. — Não tem que me dar nada. Precisa se focar em consertar seu carro, para que a gente possa sair juntos de novo. Você, Camila e eu.

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora