20 | O Ano Novo

2.3K 324 290
                                    

[Quinta-feira, 31 de dezembro de 2020]

Os Sullivan, por terem trabalhado somente até as 15h na véspera do Ano Novo, me liberaram mais cedo (justo, pois sou um babá bonito e bastante empenhado no meu emprego). Saber que por pouco eles não me pegaram dormindo no sofá igual a uma lagartixa com cãibra me deu um alerta de que eu deveria parar com essa mania de me render ao sono logo após as crianças começarem a falar comigo por mais de cinco minutos. E se elas estivessem fazendo algo de errado durante meu cochilo profundo, como assistir a um filme hétero? Que recursos eu teria que utilizar para explicar a cena de um homem beijando uma mulher? E se Brenda e Matheus fossem influenciados por isso?

Eu me sentia mal só de pensar.

Antes de ir para casa, Emmy tinha me perguntado se eu consegui arrancar alguma informação de Júnior que justificasse seu afastamento da família. Por ter me esquecido de averiguar essa história por ela, acabei falando que não fui capaz de obter nenhuma resposta — não queria dizer que acabei me esquecendo disso, e isso me levou a prometer que tentaria de novo.

Em casa, lá pelo começo da noite, tomei um banho demorado ao som de "Take My Breath Away" e me permiti sentir como se estivesse em um clipe muito sensual. Minha vó me disse uma vez que essa música tocava quando ela teve a primeira relação sexual com o seu amante número um. O amante, no caso, era meu avô.

Saí do banheiro, já pronto (inclusive para romper meus dias de virgindade), e fui ao meu guarda-roupa escolher qualquer coisa fácil de tirar na hora do sexo. No fim, optei por uma calça marrom justa e regata cinza. Por alguns segundos eu pensei em usar a camisa que continha minha foto e a frase "eu me amo mais do que tudo na vida", todavia, assim que a lembrança dela me remeteu ao meu término com Diego (que Deus o tenha), descartei a ideia. Um colar banhado a ouro de zero quilate rodeava meu pescoço, que por sinal exalava um perfume floral-amadeirado.

Quando terminei de me arrumar, me fitei no espelho.

— Gostoso — sussurrei enquanto ajeitava meu cabelo, imitando a Nazaré Tadesco. — Irresistível... impressionante como o tempo só te valoriza...

Depois da dose extravagante de amor próprio, deixei meu quarto para trás e fui à cozinha, cuja mesa estava repleta de frutas (eca), comidas básicas do dia a dia (eca) e champanhe (oba). Puxei uma taça para mim e me direcionei à sala, onde estavam localizados os meus pais. Assim que os olhos da minha mãe examinaram minha vestimenta, ela perguntou:

— Não vai usar roupa branca hoje? Vai trazer má sorte, viu?

— Mãe, larga de besteira. Segui essa tradição por vários anos seguidos e ninguém nunca bateu à porta de casa para me dizer "parabéns, você ganhou um Camaro amarelo". — Joguei-me no sofá. — Nunca achei que a cor da roupa fosse me trazer sorte.

Tanto ela quanto meu pai usavam branco, como se fossem participar de um casamento que eu jamais desejaria ir. Casamentos geralmente me faziam lembrar de uma união permanente com meu amado, e isso, na maioria das vezes, levava a ter filhos, o que rapidamente já me desanimava. Mais crianças na minha vida? Cruzes!

A roupa da minha mãe era um vestido simples e justo; a roupa do meu pai era uma camiseta de botões e um short de tecido grosso. Já deve ter reparado a essa altura, Ariel, que não éramos muito comemorativos. Certamente a minha família passaria a virada do ano em casa, em frente à TV. Se tudo rolasse como o planejado, eu ficaria aqui somente até uma hora da madrugada, e daí partiria para o trailer de Júnior.

— Além do mais — prossegui, dando um gole do champanhe —, já consegui minha dosagem de sorte por hoje, porque, dentro de algumas horas, irei transar com Júnior na casa dele.

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora