16 | O Natal

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[Sexta-feira, 25 de dezembro de 2020]

Sendo Natal, não precisei trabalhar na casa dos Sullivan, então pude tomar café da manhã com minha família com mais tranquilidade. Na mesa repleta de comidas destinadas ao feriado, a única coisa que me interessava era o panetone gostoso de chocolate — um da Cacau Show. Era o meu favorito.

Há uns dez anos, mais ou menos, havia uma loja da Cacau Show aqui perto de casa, e o pessoal que trabalhava lá sempre permitia que os clientes experimentassem alguns dos sabores novos de panetone de graça. Fui proibido de pisar na loja porque eu ia para lá a cada cinco minutos com um visual diferente, fingindo ser um adolescente novo que ainda não tinha comido a tal guloseima. Até cheguei a usar perucas distintas e sotaques variados para que não desconfiassem de mim, mas o gerente do lugar acabou descobrindo minha armação. Ele disse que minha atitude era imprudente (na época, por não conhecer direito o significado dessa palavra, achei que ele estivesse me elogiando) e que eu estava comendo panetones de outras pessoas.

Então, com uma expressão emburrada, saí da loja, mas prometi ao gerente que voltaria lá com meu advogado no dia seguinte.

— Então ele mora em um trailer? — minha mãe indagou, pegando um pedaço de pão.

— Sim. E é bem aconchegante. Tudo bem que a gente abre a porta e já sai automaticamente pela janela — exagerei —, mas, ainda assim, é aconchegante.

Meu pai sorriu e olhou para o meu lado direito, observando minha vó usar mais o celular do que tomar o café.

— Mãe, pelo amor de Deus, não me diga que está usando o Tinder de novo.

Ela franziu a testa em sua direção, bloqueou a tela do aparelho e o deixou na mesa, atuando como se nada tivesse acontecido.

— Claro que não, Mário — garantiu, porém o toque de notificação do Tinder ecoou pelo celular, entregando-a. Foi nessa hora que ela revirou os olhos. — Vai ser a última vez, não precisa me condenar com esses olhos pretos enormes.

— Mãe, a senhora vem dizendo isso desde que o Tinder foi criado.

Ela, toda sorridente, fez um "tsc" com a boca.

— Não seja exagerado. Aliás, não me lembro de você ser tão chato!

Foi a vez de Mário revirar os olhos.

— Tudo bem, e se fosse meu pai que estivesse traindo a senhora? — ele comparou.

— Aposto que ele já fez isso. Ele é homem.

Minha mãe olhou para meu pai.

— Você já me traiu? — ela perguntou, desconfiada.

— Óbvio que não.

— Meu filho é a única exceção — minha vó defendeu meu pai. Depois, ampliando a felicidade no rosto, disse: — Em todo caso, vamos deixar para lá esse assunto irrelevante de traição. Ninguém quer saber disso. A novidade é que meu neto está namorado o Júnior!

Recebi três pares de olhares. Olha, que velha fofoqueira! Ela bem deve ter passado um tempo com minha vizinha Rosângela enquanto eu estava na casa de Júnior ontem.

— E ainda fala que meu pai é exagerado, né, vó? — Balancei a cabeça, controlando o sorriso. — Não estamos namorando. Nós só nos beijamos. Isso já deve ser motivo para um casamento na terra dos idosos, só que tudo não passou de um beijo.

— Tá me chamando de velha?! — Sabrina me deu um tapinha no ombro. — Mas não foi você que disse que Júnior ficou bem excitado durante o beijo?

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora