[Sábado, 12 de dezembro de 2020]
Era sábado à noite, e isso significava uma coisa: comemoração.
Liguei para Estelar há uma hora. Ela estava diante do espelho do meu guarda-roupa nesse exato momento, pegando da bolsa o seu batom vermelho bem chamativo, combinando com o vestido justo de mesma cor — um que deixava seus seios tão apertados quanto os ônibus que eu pegava lá no condomínio dos Sullivan. Segundo Estelar, essa era a roupa ideal para chamar a atenção dos clientes que a contratavam, pois a vestimenta lhe rendia muito dinheiro. Sempre tive vontade de saber qual era o look que eu deveria usar para que alguém me presenteasse com um milhão de reais.
Para a comemoração no bar com minha amiga, optei por uma camisa verde bem clara, calça cor de vinho e uma jaqueta preta, pois estava frio lá fora. E também porque eu queria ficar mais estiloso e aumentar as chances de o barman me dar um copo de bebida de graça. Nunca funcionava, mas a esperança era a última que morria. Meu cabelo estava seco, penteado para trás, e meu pescoço sustentava um colar prata e fino.
— Eu sabia que você iria gostar das crianças! — minha amiga adivinhou, conforme retocava sua maquiagem. Àquela altura, ela também já estava sabendo da minha batida de carro e o que tive que fazer para que o dano fosse compensado.
Quando terminei de calçar meu par de tênis, coloquei-me de pé.
— Menina, com aquele filho mais velho indo para lá, eu aprenderia a gostar até do próprio Lúcifer — comentei. Ainda mais se ele fosse aquele lá da série da Netflix.
Estelar afastou seu batom da boca para não borrá-la ao rir e, balançando o rosto, voltou ao que estava fazendo.
— Ai, amor, você é uma piada! Quero morrer sendo sua amiga.
— E eu queria morrer rico. — Cheguei perto dela, fitando-a no reflexo, e cruzei os braços. — Mas quero morrer sendo seu amigo também.
Ao terminar toda a sua maquiagem, Estelar me deu uma piscadela.
— Você já foi humilhada alguma vez no seu emprego? — perguntei, admirado com o fato de que nunca tinha lhe questionado isso antes. Na verdade, perguntava poucas coisas sobre esse lance de ser garota de programa.
— Já — ela suspirou, guardando o batom em sua bolsa. Olhando para mim, continuou: — Acontece raramente, mas, quando a vez chega, é horrível. E os motivos geralmente são porque, às vezes, na pressa, eu não me depilo totalmente. Isso irrita os homens. É até irônico, considerando que os que mais reclamam parecem carregar uma floresta amazônica nas partes pubianas.
— Que porcaria. — Indignado, franzi o rosto. — E você faz o quê? Passa a gilete na garganta deles?
Ela riu.
— Vou ao banheiro do hotel, ou seja lá onde quer que eu esteja, e me depilo rapidinho. É isso ou não receber a grana. Dependendo da situação, nem chego a protestar.
Mostrei-lhe um sorriso superficialmente triste.
— Eu entendo.
Minha amiga me deu um beijo na bochecha e caminhou para se sentar na minha cama, pronta para calçar seus saltos altos.
— Se puder não escolher essa vida — aconselhou —, então não escolha. Homens exigem um perfeccionismo extremo das mulheres, ainda que eles mesmos não possam oferecer metade da perfeição que buscam em um corpo feminino. O mundo cai quando você erra com eles, principalmente quando se trata de sexo. E vai por mim, amor: as pessoas são mais lembradas pelas suas falhas do que pelas qualidades. Infelizmente, é assim que os seres humanos são.
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COMO [NÃO] SER UM BABÁ
Roman d'amourSó existe uma coisa que Demétrius Esteves detesta mais do que crianças: cuidar de crianças. Para compensar o dano causado por ter arremessado o carro em um poste, ele agora precisa trilhar o que aparentemente seria o seu pior pesadelo: bancar o babá...