25 | A mãe

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[Sexta-feira, 08 de janeiro de 2021]

Assim que me sentei à mesa para tomar meu café da manhã, meu pai colocou um molho pequeno de chaves ao lado do meu prato. Se era referente ao quarto que eu ocuparia no céu quando eu morresse (porque eu obviamente iria para lá), eu não sabia afirmar.

— Aqui — ele revelou. — Acabei de ir buscar seu carro. Está novinho.

Fiquei pasmo num átimo.

— Por favor, pai, me diga que está falando sério... porque já faz 84 anos que estou esperando o senhor me dizer isso.

Ele sorriu e se sentou em seu lugar.

— Te juro — afirmou. — Pelo amor de Deus, não vá me aprontar outra dessa, viu? Evite beber demais, filho. E se for fazer isso, nem pense em dirigir.

Um sorriso muito largo rasgou meus lábios. Feliz, coloquei-me de pé e o abracei antes que ele pudesse pegar seu jornal mais desgastado que a minha vontade de participar de projetos caridosos da faculdade.

— Pai, eu te amo pra cacete!

Ele deu uns rapinhas leves e desajeitados nos meus braços envoltos no seu pescoço.

— Você me dizia o contrário quando eu te proibia de jogar soda cáustica na piscina do vizinho que não te deixou brincar lá — ele me lembrou.

Separei-me dele.

— Não sou mais aquele capetinha. — Mudei dois por cento.

— Ah, é? Deixou de ser quando? Ontem?

— Claro que não. — Pisquei os cílios e me sentei de volta. — Foi há uma semana. Mas, enfim... — Relaxei minhas costas na cadeira e abri um sorriso para o teto. — Nem acredito que a partir de hoje deixarei de pegar o ônibus...

Minha mãe sorriu.

— Nem é tão ruim assim — ela disse.

— Até que não é — concordei —, pois, de vez em quando, rola briga dentro dele, o que me diverte muito.

— Claro. Tem que acontecer alguma desgraça num ambiente para que você se sinta bem lá. Não é à toa que, de todos os meses que você frequentou na igreja, o seu favorito seja aquele em que te expulsaram de lá.

— Acho que ele nem sem lembra disso — meu pai deduziu. Encarando-me, perguntou: — Se lembra?

Suguei meus lábios para não sorrir.

— Não. Eu deveria ser muito pequeno, né?

Ah, tá bom... até parece que eu não me lembrava, Ariel.

Irei te contar como se desenrolou essa história — já fique preparado, então, uma vez que nada de bom poderia vir do meu passado.

[09 anos atrás]

Faltavam dez minutos para o culto começar, e isso dava permissão às pessoas para fofocarem do lado de fora da igreja, como se, do lado exterior, Deus não pudesse escutá-las. Eu já sabia que o ser todo poderoso me ouvia em todos os lugares, por isso nunca reprimi minha vontade de falar mal dos outros no meio do culto.

Meus pais me obrigaram a me infiltrar em algum grupo de jovens espalhados pela varanda da igreja, mas, assim que me aproximei de alguns deles, recebi um olhar de um garoto assustado, além de tê-lo escutado dizer aos amigos a frase "foi esse menino que furou o pneu do carro do meu pai na semana retrasada". Isso me fez franzir a testa e retornar ao ciclo de adultos onde minha mãe e meu pai estavam.

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora