30 | O jantar

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[Três semanas depois]

[Segunda-feira, 08 de fevereiro de 2021]

A sensação de acordar no trailer de Júnior era semelhante àquela que tive quando uma colega minha, por volta dos meus doze anos, se afogou em sua piscina logo após ter me proibido de nadar nela: aliviadora. O conforto que me abraçava na cama do meu namorado não poderia ser descrito. Imagine só, Ariel: um lugar extremamente calmo, envolvido por cantos de pássaros e infiltrado em um monte de árvores que traziam uma ventania incrivelmente fresca, que atravessava as janelas abertas do trailer.

Era um paraíso.

Por muito tempo tive vontade de morar em uma mansão gigante (o bastante para quase não me encontrar com as pessoas), e que nela tivesse um segurança, cuja única função seria realizar os meus desejos. Eu até imaginava ele chegando para mim e dizendo "pronto, Demétrius, já passei por cima daquele fulano que te deu uma Hilux de aniversário, sendo que você tinha dito que queria uma Lamborghini". Basicamente, sempre quis ter uma vida financeiramente boa.

Mas isso aqui — o trailer — era muito melhor. Quem disse que coisas simples não poderiam ser incríveis? Todos os desenhos que eu fazia na escola, por exemplo, eram humildes, e nem por isso deixavam de ser fantásticos (essa era a consequência de desenhar meu próprio rosto). Coisas bonitas não perdiam a beleza nem quando estavam feias.

Ao me sentar na cama, olhei para Júnior, que preparava o café da manhã. Era segunda-feira, e, tecnicamente, eu deveria estar na casa dos Sullivan, mas eles ficaram em casa hoje, o que permitia a minha folga. Decidi aproveitá-la com o rapaz charmoso que agora preparava torradas para mim.

Esfreguei as pálpebras e formulei um sorriso quando ele me viu.

— Bom dia, Belo Adormecido — ele disse, o sorriso hot.

Tirei o lençol da minha cama.

— Bom dia. Bem... somente a parte do "Belo" é verdadeira — brinquei, saindo da cama. — Vou tomar um banho rápido e lavar meu rosto. Não estou acostumado com os outros me vendo sem maquiagem.

Júnior sorriu.

— Eu sabia que você não poderia ser tão bonito assim naturalmente.

Olha só a audácia dele! Eu, praticamente, acabei de ouvir que minha beleza era de Taubaté.

— Engraçadinho. Bozo. Patati, Patatá.

Ele riu.

Peguei uma toalha, roupas novas e uma escova de dente.

— Volto já, bonitão — falei.

— Okay.

A casinha do lado de fora do trailer seguia o mesmo conforto que ele. Novamente, como se já não bastasse sentir a sensação de alívio tremendo por estar dentro dela, a água morna do chuveiro adicionava um toque de anestesia para meu corpo. Na tarde do sábado retrasado, Júnior e eu transamos aqui e sequer conseguimos sair depois: dormimos no chão da casinha mesmo. Só acordamos à noite, quando um bicho estranho começou a fazer barulho pela floresta.

Não, Ariel, não era a minha vizinha Rosângela. Era um menos amedrontador.

Ao sair do banho e retornar ao trailer, Júnior já tinha terminado tudo, e isso me fez abrir um sorriso satisfatório.

— O cheiro está maravilhoso — pontuei, deixando minha roupa suja na mochila. — Você tem jeito para isso.

— Eu só fiz torrada.

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora