31 | O adeus

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[Quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021]

Hoje foi meu último dia na casa dos Sullivan. A babá tinha chegado de viagem ontem, mas voltaria ao emprego oficial amanhã.

Como era meu momento final na residência chique dos pais de Júnior, decidi que me divertiria à beça com as crianças — talvez eu estivesse com escoliose de tanto carregar a diversão nas costas. Brenda, Matheus e eu dançamos Xuxa pela manhã (a casa estava empoeirada demais quando chegou a canção "Doce Mel", então chorei mais uma vez); depois do almoço, nós desenhamos o bastante para que eu conseguisse desenhar um ratinho, sem que ele parecesse com a Rosângela; e, no fim da tarde, por volta das 16h, os meninos e eu caminhamos pelo condomínio, e só retornamos para a casa ao perceber que um grupo de crianças se aproximava da gente.

O dia foi divertido, e o cansaço valeu a pena (da mesma forma que valia quando eu transava com Júnior).

Às 17h12, os Sullivan tinham chegado. O primeiro a me agradecer pela dedicação (que dedicação?) no emprego foi Michael. Ele disse que estava contente por saber que seus filhos tinham gostado muito de mim. Normal, né, Ariel? Sequer fiz esforço. Fazer com que alguém me achasse maravilhoso era tão fácil quanto pedir para eu zerar uma prova de Matemática.

Emmy me abraçou na porta assim que seu marido partiu para dentro de casa, e o gesto me pegou desprevenido.

— Obrigada, querido — ela disse, o perfume ricaço subindo. — Pelo que Brenda e Matheus me contaram, você foi fantástico. Estou encantada com isso.

Abri um sorriso terno, retribuindo seu abraço com um certo atraso. A moça era tão magra que eu tinha medo de apertá-la demais e quebrá-la. Só faltava eu ser preso por transformar a mulher em um jogo de palitos no chão.

— Seus filhos são incríveis também — falei, desprovido de falsidade. — Adorei conhecê-los.

Emmy me soltou, o olhar animado para mim.

— Eles te deram muito trabalho?

Fiz que não. Só me senti como um daqueles bonecos inflados de tanto dançar.

— Não. E olha que sei quando as pessoas dão trabalho.

— Ah! Você já teve muita experiência com crianças atentadas? — ela sorriu.

— Não. Eu era a criança atentada.

Emmy subiu as sobrancelhas, não sabendo se realmente compraria minha verdade ou não. Pode comprar, moça. Por R$ 500, de preferência.

— Demétrius! — a voz de Matheus apareceu lá no começo do corredor. Ele corria até mim, o rosto choramingado. — Não abandona a gente! Por favor!

A dificuldade de exibir um sorriso feliz era tão grande quanto meu esforço em tentar entender o que diabos Pitágoras tinha na cabeça para inventar aqueles teoremas dos triângulos.

— Oh, amor... — Ajoelhei-me no chão, e o garoto me abraçou com força. — Está tudo bem... tudo vai ficar bem...

Ah, não... não acredito que esse menino vai me fazer chorar! As únicas vezes em que uma criança conseguia arrancar lágrimas de mim aconteciam quando elas jogavam uma pedra na minha cabeça, logo depois de eu ter jogado duas nelas.

— Não vai... Eu vou ficar muito triste se você for embora... — Matheus disse, enterrando o nariz entre meu ombro direito e pescoço. Ele já chorava, a voz sufocada. — Eu queria tanto que você ficasse...

Senti meus olhos embaçarem. Emmy, pelo amor de Deus, contrate uma faxineira logo, por favor.

— Demi! — Brenda, para ampliar minha falta de contato com a tristeza, exclamou. Suas bochechas estavam molhadas de lágrimas. Quando seus braços também me rodearam, o som do choro ganhou força. — Não pode ir embora... Quem vai dançar com a gente agora?

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora