I. À procura de algo

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Eu passei minha vida me perguntando.

Enquanto eu esmagava os galhos escondidos na neve com minhas botas, e meu rosto estava vermelho por causa da temperatura, imaginava se minha mãe gostava do frio ou se preferia o calor, como na praia em que eu havia passado as férias com minha tia. Se teria usado essa touca de pompons ou abafadores de ouvido rosa. Queria saber de tudo isso, pois, talvez assim, me sentisse mais próxima dela. Saber se, como eu, ela também sentia que algo estava faltando, por isso estava sempre procurando às cegas o que quer que fosse, sem fazer a menor ideia do quê.

Eu morava numa casa escondida pela vegetação, que ficava cada vez menor à medida que eu me afastava, onde eu deixara minha tia cochilando na poltrona em frente à lareira. Sabia que ela não ia gostar de saber onde eu estava, sempre buscando, correndo atrás de um sentimento que não conseguia nomear. Acho que ela tinha medo de eu ser uma dessas crianças antissociais, por isso eu inventava o nome de garotas e garotos quando voltava da escola, para ela não se preocupar. Sentia que devia isso a ela, já que cuidava de mim sem pedir nada em troca.

Não é assim que as coisas deveriam ser? O dar e o receber equilibrados em uma balança?

Nunca fui diagnosticada com déficit de atenção, mas tendia a me distrair quando pensava demais nas minhas perguntas. Precisava especular comigo mesma; minha tia não parecia gostar de falar no assunto. E, assim, olhando o céu cinzento coberto de nuvens, cheguei a uma parte da floresta em que nunca havia estado. Lembro de franzir o cenho porque o jeito que a neve caía parecia diferente do outro lado, como se eu a visse através de um vidro.

Fiquei parada por um tempo, prendendo o fôlego até respirar por reflexo, depois balancei a cabeça para derrubar a neve que havia se acumulado por cima de mim, no meu cabelo e nos meus cílios, nas dobras do meu casaco e nos meus ombros. Tremi de frio.

Dei mais um passo, ouvindo mais um estalar de um galho se partindo sob meus pés. Pássaros voaram por entre as árvores altas, me assustando.

Fiz uma careta, o que não era incomum — minha tia costumava dizer que se não parasse com essa mania, meu rosto ia ficar assim para sempre. Pensei no que estava fazendo ali. Era melhor voltar para casa, ou explorar um lugar diferente. Além do mais, meus arrepios pareciam ter pouco a ver com a temperatura agora. Não a sensação de um animal predado, mas de energia, embora na época eu não pudesse pôr em palavras.

Sim, é, decidi. Era melhor dar meia volta.

Corri de volta pela trilha que eram minhas pegadas na neve. Uma olhada para trás me fez pensar em como aqueles flocos brancos me lembravam açúcar de confeiteiro; tia Margareth devia estar preparando cupcakes frescos e quentinhos, com certeza. Ela gostava do calor do forno e de fazer algo com as mãos.

Apertei o passo para chegar à porta mais depressa e lá estava minha casa de dois andares, meio escondida por plantas. Baixei os ombros e girei a maçaneta gelada ao toque, mesmo sob as luvas tricotadas. Bati os pés no capacho, mas entrei de galochas, mesmo que fosse molhar o chão; não gostava quando meus pés ficavam frios.

Pisquei várias vezes, os cílios frios e pesados de gelo branco. De repente aqueles pensamentos sobre ir embora pareceram besteira, eu podia ter explorado mais.

Eu estava certa sobre os cupcakes, no entanto. O cheiro de manteiga e açúcar preenchiam o ar da nossa cozinha e chegava à sala.

— Onde esteve, Juliet, sua mocinha desobediente? — perguntou minha tia com cara de brava e as mãos na cintura, o avental uma bagunça de farinha e achocolatado em pó.

Deixei as camadas de roupa que me cobriam no chão ao meu redor, ficando apenas com um suéter, e me sentei perto da lareira, no tapete puído. Minha tia voltou para o que estava fazendo.

Os Últimos Descendentes - SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora