XXV. As páginas arrancadas

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— Juliet? Juliet? Você ouviu o que eu disse? Está ao menos prestando atenção? — Stef estalou os dedos na frente do meu rosto.

Aos poucos, as coisas voltavam a entrar em foco, a sala de paredes de vidro da qual eu ajudara a roubar a bola; o vaso de violetas na prateleira; um jarro com jujubas coloridas, como aqueles que as pessoas tentam adivinhar quantas tem dentro só de olhar.

Os flashes, fragmentos, pistas se agitavam ali na minha mente desértica, como uma tempestade de vento que revolve a areia, mas não muda o fato de ser apenas um amontoado de dunas feitas de grãos secos e dourados. Estava ali o tempo todo, aquelas páginas que achei que tinham roubado de mim, do livro incompleto que minha vida me parecia. Era como se as tivesse pulado sem perceber, porque agora eu via: aquele primeiro dia em que mostraram a escola, quando Luke pôs a mão na lateral do corpo ao discutir com Jake; como minha tia olhava pra baixo ao mentir sobre quem eu era, ou como ela tinha certeza de que eu não dera a Bênção aos outros quando lhe visitei, como eu não tinha mesmo conseguido permitir a entrada de Annabell; o vocês específico de Stef que eu não compreendera, a hesitação do grifo perante a mim.

Deixara tudo aquilo passar; praticamente ignorara a marca, como se fosse desaparecer se eu não acreditasse nela, se fingisse que não existia. E esse tempo todo Annabell e Luke tiveram uma igual.

As páginas voavam por cima da minha cabeça por meses, mas eu não olhei pra cima, não olhei.

Trinquei os dentes da cadeira em que me sentava e levantei os olhos para aqueles olhos escuros que me olhavam, esperando uma resposta.

— Sim. — Balancei a cabeça, como se tentando assentar a areia metafórica que voava violentamente ali dentro. — Sim — repeti. — Minha mãe era uma Descendente.

Quase protestara quando ouvira tal afirmação; ela tinha uma irmã, pensei, e Últimos Descendentes eram filhos únicos. Mas aí me lembrei daquela conversa, sentada à mesa na minha casa, com minha tia, que assava cupcakes enquanto me contava a história de como já era nascida quando o meu avô feiticeiro conheceu sua mãe humana e deram à luz a uma menininha com habilidades que ninguém daquele lado deveria ter.

Há quanto tempo Stef sabia? O tempo todo? E os outros? Não apenas sobre mim, mas sobre si próprios.

— Ela é da linhagem de um dos Primeiros, e, logo, você também é.

Meneei a cabeça, aceitando todas aquelas verdades tardias.

— Olhe, Juliet. — Ela esticou a mão para pegar a minha, e deixei. Sua expressão preocupada se suavizou. — Sei que se sente traída, e tem razão — acrescentou ante a minha reação. — Sua mãe fez tudo isso pra te proteger.

Finalmente recolhi a mão para junto ao corpo.

— Queria que as pessoas parassem de achar que sou frágil — eu disse, por fim.

— Pode culpar uma mãe por amar sua filha dessa maneira?

Ri com escárnio.

— Não ouse usá-la dessa maneira.

Stef foi até o quadro de chave, tirou-o sem se importar que eu visse, já que nosso pequeno roubo já era de seu conhecimento, e pegou uma caixinha de madeira fechada de todos os lados — uma guardadora de segredos. Ela a pôs sobre a mesa, quase me desafiando a perguntar o que ela protegia.

— Quer saber o que aconteceu? Tudo bem. — Stef sussurrou alguma coisa e uma tampa surgiu, dividindo a caixa em dois; um registro aninhado em veludo preto se destacou. Ela olhou para a pequena esfera com algo parecido com dor pesando as feições marcantes. — Sua tia me mandou isso.

Os Últimos Descendentes - SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora