XXII. Olhos de gato

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Ela morava numa copa de árvore.

Que lugar estranho de ser morar, pensei.

Ainda era maior por dentro, ao que parecia. Embora só pudéssemos ver a mesa de madeira polida, coberta de bugigangas e cartas de tarô com a aparência de velhas. Tudo que ela tinha dava essa impressão, ainda que ela fosse jovem, de origem asiática, cabelos extremamente pretos e olhos âmbar, atentos como os de um gato. Era meio assustador.

Mas os banquinhos feitos de tora com almofadas eram confortáveis na medida do possível. O cheiro não era desagradável ou artificial. Só havia uma vela, aromatizada, no centro da mesa. Os odores pareciam vir da própria natureza, flores e frutas silvestres frescas, terra molhada. Dava pra ver lá fora por entre as folhas.

De primeira vista, a Vidente parecia gentil, até mesmo doce, porém eu fora alertada de seus jogos; de que gostava de intrigas e provocações; de segredos e de bagunçar com a vida das pessoas. Gente fina, eu pensara ironicamente.

Desde que entráramos, há alguns minutos, tudo que ela havia feito era dar em cima dos três garotos. Anna olhava a todo instante para ver a reação de Logan, que só ficava vermelho e olhava para baixo, coçando a ausência de barba. Não queríamos irritá-la, para que fosse útil, então estávamos deixando rolar, para seu divertimento.

Ali em cima era gelado, mesmo que lá fora o sol nos cobrisse com seu calor. Apertei conta o corpo a jaqueta de estampa de exército que Jake me dera. Eu a adorava, mas não era quente o bastante para o frio sobrenatural de uma vidente que morava dentro de uma árvore. O mais engraçado era que ela era a segunda pessoa que eu conhecia com esse tipo de moradia.

Ela ainda tagarelava e jogava charme quando Luke usou o braço pra me trazer mais pra perto e me abraçar na tentativa de aplacar meu desconforto por conta da temperatura. A Vidente parou de repente e deu um sorrisinho. Seus olhos de gato foram até nós.

— Então — começou Jake, mas ela levantou um dedo para que ele se calasse.

Ela fez uma cara de pena, com direito a beicinho. A Vidente estalou a língua e virou na minha direção.

Tsc, tsc, tsc. Pobre coração. Já tão apaixonada pelo garoto — seus olhos passaram por Luke rapidamente — e ele ainda não decidiu se ao menos gosta de você.

Fiquei sem reação. O que eu deveria fazer? Naquele momento minha relação com Luke era a coisa menos importante com o que se preocupar. Não tínhamos vindo ali atrás de conselhos amorosos ou vodu.

— O amigo, no entanto — ela olhou para o Jake — parece ter se afeiçoado a você.

Luke trincou o maxilar ao meu lado, mas ficou quieto.

— O que você vai querer para nos ajudar? — interrompeu Jake, indo aos negócios. Sim, era o que precisávamos fazer, embora todos estivessem meio estressados e inquietos.

Ela embaralhou suas cartas com as mãos cheia de anéis cobertos de pedras de diversos tamanhos. Tinha uma tiara de prata entrelaçada na sua cabeça. Ela olhou pra cima, ainda enfiando uma carta depois da outra.

— Mas vocês nem me disseram o que querem ainda — falou de um jeito melódico.

— A Ilha da Sereia. Como chegamos? — perguntou Anna de prontidão. Essa era a área dela, sempre tão equilibrada e racional, inteligente e confiante.

— Hum, hum, hum — fez a Vidente.

— E os Descendentes. Ainda não achamos todos.

Ela sorriu batendo as pontas dos dedos de uma mão nas pontas dos dedos da outra.

Os Últimos Descendentes - SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora