Eu não fui uma criança que se encaixa cem por cento na descrição de criança normal, vivendo com minha tia numa casa na floresta. Mas assim que aprendi a andar, achei minhas trilhas pela floresta que nos rodeava e logo, com minha curiosidade, comecei a comer coisas que cresciam nas árvores. Minha tia não me deixava me empanturrar de doces e besteiras, então foi meu correspondente a rebeldia infantil. Um dia, comera uma frutinha venenosa e tivemos que correr para o hospital. Prudência não vem naturalmente, acho que é mais um caso de tentativa e erro, porque depois disso aprendi a não colocar qualquer coisa na boca e li algo sobre frutas bicadas por passarinhos. Lembro-me de pensar que quem poderia me garantir que o pássaro em questão não morreu depois de bicar o fruto, mas segui o conselho.
Devia ter reparado que joguei essas precauções pela janela quando toquei a flor brilhante e segui um cheiro até as papoulas que comiam gente. Nenhuma das duas coisas havia acabado bem. Porém, um dia antes do tal baile de Primavera, estava voltando do rio atrasada para ir com Annabell à cidade escolher um vestido apesar de todos os meus protestos, do tipo eu não ter dinheiro, o que ela resolveu me dizendo que Stef guardou algum da minha mãe, quando passei pela sala com alguns alunos conversando e estudando e vi pote de vidro com pipocas.
Era um recipiente estranho para se guardar pipoca, mas pareciam boas e ninguém reclamou quando segurei o pote solitário e o analisei. Deixei meu corpo cair em uma poltrona de formato redondo confortável e desrosqueei a tampa. Assim que coloquei uma na boca notei a consistência estranha, macia como algodão na minha língua. Não tinha gosto de milho estourado e manteiga, que me remetia a ver filmes enrolada em um cobertor, como fizera com Elena e Steve incontáveis vezes, mas de água salgada, eu diria, se tivesse que comparar a alguma coisa, me recordando do dia que engoli metade de uma garrafa de água salgada antes de saber o que era, um presente que Elena trouxe da praia.
É, eu deveria ter pensado melhor antes de colocar qualquer coisa encontrada largada por aí na boca sem saber da origem.
— Juliet, está atrasada — começou Annabell, vindo correndo depois de descer as escadas. Ela me viu segurar o pote e engasgar e arregalou os olhos. — Onde achou isso? Você comeu?
Me encontrava numa situação em que era difícil responder, engasgando com a pipoca que não era pipoca. Agarrei-me a cadeira até os nós dos meus dedos ficarem brancos, vendo a mim mesma inocentemente tirar do galho uma frutinha de aparência simpática e levar à boca sem preocupações. Annabell me ajudou a ficar de pé e me arrastou até lá fora, onde me abraçou por trás para que eu vomitasse. Não que eu tivesse engolido, o troço só tinha derretido antes que eu pudesse cuspir para não submeter estudantes desavisados a essa cena nojenta.
— São popshezea — contou Anna quando fiquei ereta, ainda me sentindo péssima. — São ingredientes para a aula de Fórmulas Mágicas. Alguém deve ter esquecido por acidente. Melhor descansar no quarto. Vai se sentir melhor pela manhã.
Concordei com a cabeça e fomos para o quarto temporariamente meu. Annabell tirou meu braço de seu pescoço e me deixou cair nos lençóis brancos, macios e cheirosos — amaciante de lavanda?
— Vou achar uma babá pra você enquanto estou fora. Você tem alguma preferência de vestido?
— O quê? — Levantei a cabeça tão rápido que tudo girou. — Olha pra mim, Anna. Como espera que eu vá a algum baile dessa maneira? — Soltei um gemido dramático para ilustrar.
— Confesso que você está mais pálida que qualquer pessoa saudável deveria — concedeu em um tom que sugeria que um "mas" estava a caminho. Dito e feito. — Maaas — ela prolongou a palavra — amanhã vai se sentir maravilhosa. É claro que você vai — concluiu, dando um tapinha no meu ombro. — Vou pegar o que tiver mais a sua cara — acrescentou antes de sair animada do quarto.
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Os Últimos Descendentes - Sangue
FantasyVocê acredita em magia? Juliet Thorne costumava não acreditar, mas ela não fazia ideia de que tudo que ela aceitava como realidade estava prestes a mudar. E que ela não teria outra escolha. Depois de sua melhor amiga ser levada por homens materia...