XXIX. Hora da história

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Os homens-sombra não foram gentis. Nos arrastaram de qualquer jeito e com violência para o onde Kieran nos esperava.

Era quente ali dentro. Observei a rocha esculpida. Parecia um cômodo pitoresco. A iluminação vinha de velas em castiçais e lampiões, diferente da Casa dos Pinheiros. Prateleiras escavadas da pedra estavam preenchidas por frascos e objetos desconhecidos para mim.

Drakon estava de costas quando nos largaram ao chão. Estava sobre uma plataforma formada por um largo degrau baixo. Achei que veria um trono ali, mas não foi o caso. Não era o plano dele governar um bando de soldados numa ilha remota, escondido sob rocha.

Uma risada baixa lhe escapou quando ele se virou

Senti todo o ódio, raiva, medo e ressentimento borbulharem sob a minha pele, embora meu cérebro registrasse a sensação de vê-lo tão de perto, tão real. Tinha o cabelo mais escuro que eu já tinha visto, era alto e atlético, usava roupas de guerreiro, trajado em preto, como nós. Os olhos eram azuis, mas não como os de Luke. Eram frios e pareciam esconder sua alma ao invés de mostrá-la.

Ele passou os olhos por todos nós, se demorando em Stef e parando em mim. Ficamos de pé com dificuldade. Seus seguidores tapavam qualquer possível saída. Procurei por Odeya, mas ela não estava lá.

— Eu vi o que fez com meu dragão — quebrou o silêncio. — Parabéns. Achei que ia ter de interferir. Não podia deixá-lo fritar meus Últimos Descendentes.

Senti pela primeira vez magia queimar por minhas veias. Intencional ou não, algo de vidro estourou em algum lugar. Kieran nem piscou. Reparei na sua mão. Os dedos estavam enegrecidos, se alastrando irregularmente até depois do pulso.

Ele revirou os olhos.

— Patético — declarou com desdém, limpando um grão de poeira do ombro. — Tragam-na.

Entendi um segundo depois a quem ele se referia. Uma Elena desesperada foi trazida arrastada. Usava as mesmas roupas com que fora levada. Seu cabelo estava embaraçado, seu rosto sujo, com trilhas de lágrimas. Um pouco mais magra. Mas viva. Caí de joelhos na mesma hora, tentando rastejar até ela. Alguém me impediu.

— Julie — gritou ela, rouca. — Juliet, não. — Ela começou a chorar. — É uma armadilha. Eles são mágicos — começou a explicar afobadamente. — Acham que você também é.

— Silêncio — ordenou Kieran, e ela obedeceu. — Sua voz é deveras irritante. Foi uma verdadeira provação mantê-la viva enquanto meus convidados de honra não chegavam.

— Eu estou aqui agora. Deixa-a ir — pedi. Queria parecer ameaçadora, mas minha voz saiu como uma súplica.

— Tudo no seu devido tempo — falou com uma calma mortal.

A expressão de Elena se tornou dura como pedra.

Homens-sombra levaram qualquer um que não fosse um Descendente e os prenderam em correntes no fundo da sala enquanto só podíamos olhar. Oliver veio de uma das aberturas e parou a alguns passos atrás do pai. Annabell o encarou com nojo.

— Tão bobinhos — zombou Kieran, descendo o degrau para parar a nossa frente. Ele segurou meu queixo para que eu olhasse para ele. — Eu me lembro desses olhos — disse. Não esbocei reação, mas senti minha mente se embolar em confusão.

Com um mero movimento da mão uma ordem foi dada. Um garoto da nossa idade veio quase sem precisar ser empurrado, os olhos baixos, as roupas esfarrapadas. Só podia ser Henry. Quando percebeu que estávamos lá arregalou os olhos e começou a tentar se libertar. Foi posto ajoelhado na nossa fila, como vítimas de uma execução — o que era o caso, mas não com balas de uma arma; num ritual.

Os Últimos Descendentes - SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora