A gente pode olhar para a mesma coisa milhares de vezes e não reparar num detalhe, porque não estamos procurando. Mas, se olharmos com atenção, esteve sempre lá. Certas coisas a gente só encontra se procurar.
Eu não conseguia dormir, ficava apenas rolando de um lado para o outro na cama, pensando. O lumini lançava uma luz baça sobre o quarto, como se estivesse esperando eu dormir para fazer o mesmo, e já estivesse cansado porque eu não fazia isso logo.
Olhei um relógio que eu arranjara no Achados & Perdidos, parecido com o de Jake, exceto que não era de pulso, seguindo os ponteiros que passavam pelos números e figuras eternamente. Girando e girando sem sair do lugar. Era assim que eu me sentia.
Querendo fazer o tempo passar, comecei a revirar as coisas na minha gaveta do criado mudo, com tanta esperança de que estávamos no rastro certo, que pensei em começar a separar o que levaria de volta e o que deixaria pra trás.
Foi quando vi o livro. O que tinha lido sobre a Terra Infinita. Não podia acreditar que tinha esquecido de devolver. Tirei-o da gaveta. Talvez pudesse lê-lo para pegar no sono. Olhei a capa antiga de couro, as letras com o título e o nome do autor desaparecendo.
Mas minha mente estava distante. O que Kieran estava fazendo ali naquele baile? Por que parecia ter vindo ver Stef? O que aquilo significava?
Chacoalhei a cabeça como se as preocupações fossem escapar pelos ouvidos. E meus olhos viram um K, meio apagado, escrito nas letras douradas.
Eu só podia estar imaginando. Abri a capa. Na primeira folha estava o título novamente. E, logo embaixo, quem o havia escrito: Kieran Knowles.
Deixei o livro cair.
Ele caiu no meu pé, o que tirou minha mente da descoberta durante os minutos em que eu fiquei pulando numa perna só.
Ele era um historiador!
Como eu sentia falta da internet. Assim poderia pesquisar sobre ele, mas aqui teria de fazer isso na biblioteca, e já estava tarde, o que queria dizer que a velhinha assustadora não estaria lá, e eu teria de procurar sozinha.
Agora eu tinha que decidir o que fazer com essa informação. Subitamente me parecia uma descoberta boba e irrelevante. Talvez nem fosse uma descoberta.
Voltei a me sentar na cama, segurando o livro, os Ks agora tão aparentes que poderiam estar escritos em um letreiro neon.
Ok, ele escrevera um livro de História, mas... e daí?
Eu tinha que esquecer esse assunto e focar na nossa missão: Amos. Anna estava certa. Por que ele nos ajudaria? Mas ele saíra por escolha; se colocasse fé o suficiente em nós, arriscaria nos ajudar e, em troca, não precisaria mais se preocupar com Drakon.
Isso era ser otimista demais? Sequer existem níveis de otimismo? É uma linha tão tênue que talvez nem exista.
O lumini finalmente havia se apagado, o quarto iluminado apenas pelas estrelas que eram como diamantes no veludo preto em uma loja de joias. Acho que foi um processo natural de produção de melatonina que fez com que meus olhos ficassem pesados. Eu gostava de acreditar que não roncava, mas babar era outra história.
Quando acordei largada na cama com a ponta do livro me cutucando, meu travesseiro estava ligeiramente úmido. As paredes deixaram o brilho entrar aos poucos, mas isso não o impediu de ferir meus olhos.
Gosto desse momento, assim que acabamos de acordar e não fazemos ideia, só por um segundo, de quem somos, de qualquer coisa. É o momento consciente mais fácil de existir.
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Os Últimos Descendentes - Sangue
FantasyVocê acredita em magia? Juliet Thorne costumava não acreditar, mas ela não fazia ideia de que tudo que ela aceitava como realidade estava prestes a mudar. E que ela não teria outra escolha. Depois de sua melhor amiga ser levada por homens materia...