A noite e o mar se misturavam no horizonte em uma só linha de imensidão. A areia estava morna entre meus dedos enquanto eu os usava como pincéis na tela em branco feita de claros grãos dourados e finos.
Uma casa, um pássaro, um carvalho... O último apaguei. Tentei um pinheiro, mas acabei o destruindo com a mão também. Se tivesse esperado só mais um segundo, a água teria poupado meu trabalho, pois uma onda levou tudo consigo antes de recuar, molhando meus pés descalços.
Eu estava sentada com os joelhos flexionados de leve enquanto as solas dos pés sentiam a areia sob eles.
Descer da Cidade Flutuante de trem tinha sido tão emocionante quanto subir. Íamos voltar para a Casa, com meias respostas, mas eu ouvira o barulho das ondas quebrando e o segui, deixando os outros distraídos ainda discutindo sobre nossa visita ao ex-homem-sombra. E viera parar ali.
Ao longe algo dentro d'água brilhava em verde, rosa, azul e roxo, como se houvesse luzes coloridas sob a superfície, reveladas pela lua cheia. Fiz uma bola e uma linha ondulada em baixo com o indicador.
Estava prestes a fazer um rosto no círculo quando mãos me empurraram por frente, me dando um tremendo susto que fez meu coração ir a mil.
— Aí está você — disse Luke, sorrindo com os dentes a mostra.
Ele se sentou ao meu lado, dobrando um pouco os joelhos como eu. Estava de uniforme agora.
— Seu idiota. — Empurrei seu ombro, apesar de rir, sem conseguir evitar.
Luke se defendeu levantando os braços.
— Ok, calma. — Ele riu. — Está sempre se perdendo — emendou, olhando para a frente.
— E você está sempre me encontrando — devolvi.
Luke observou meu desenho, agora só um rabisco, e, distraidamente, fez outro: um coração. A água chegou bem perto, mas não conseguiu alcançá-lo para desmanchar.
A questão era que quem precisava ser achada não era eu, era Elena. O que eu não daria para que Steven pudesse vê-la novamente. Olhei para a direção da Barreira, mesmo que não pudesse vê-la de onde estávamos sentados.
Luke abriu a boca de novo. Achei que fôssemos trocar um pensamento por outro, mas ele já parecia saber no que eu estava pensando.
— Do que sente mais falta? — perguntou.
— Elena — respondi na lata, sem hesitar. Algo como culpa passou pela sua expressão. Quero salvar todo mundo. Balancei a cabeça. — Mas também do frio, porque é só assim que o calor faz sentido — continuei. — De reclamar da comida.
Ele riu baixo dessa última.
Queria que a lista acabasse ali, mas ainda tinha tia Margareth, que eu não quis citar para manter o tom leve. Perguntei-me qual lista seria mais longa: a das coisas que eu sentia falta ou a das coisas de que gostava dali.
— Ainda podemos ligar para sua tia e pedir aqueles biscoitos — brincou ele, mais uma vez como se adivinhasse pensamentos.
— Está roubando meus pensamentos? — perguntei.
Existia uma resposta séria para essa pergunta, o que me surpreendeu. Lembrava-me de Stef ter me dito que eles não eram psíquicos, porém parecia estar omitindo alguma coisa na época.
— Não posso fazer isso sem uma Ponte — foi o que ele disse. Luke me olhou. — É uma conexão voluntária entre duas pessoas, sendo ao menos uma um feiticeiro — explicou. — E também não dá acesso irrestrito; é literalmente como uma ponte, e você é o troll que a guarda.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Últimos Descendentes - Sangue
FantasyVocê acredita em magia? Juliet Thorne costumava não acreditar, mas ela não fazia ideia de que tudo que ela aceitava como realidade estava prestes a mudar. E que ela não teria outra escolha. Depois de sua melhor amiga ser levada por homens materia...