XII. De ferro

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Eu não estava perdida.

Minha bússola havia ficado na minha capa? É, confesso que de repente esse plano parecia um pouco precipitado. Mas, qual é, eu podia encontrar meu caminho para... onde exatamente? Não fazia ideia de onde Elena estava.

Continuei andando por entre as árvores, esperando algum sinal que pudesse me dar a resposta que procurava — estávamos numa terra mágica, afinal. Mas tudo o que recebia eram raios de sol filtrados pelos galhos dos muitos pinheiros que me cercavam. E cercavam outras criaturas também, me lembrei, criaturas perigosas.

Apesar de tudo, no meu cinto havia uma adaga. Uma que eu jogaria longe, talvez no rio, se não precisasse dela agora. Segurei-a, observando pela primeira vez o desenho no cabo. Uma onda sob a lua cheia. Era bonito, embora eu não soubesse se tinha algum significado. Não que importasse de verdade, só precisava que fosse afiada e estivesse em mão caso fosse necessário. E eu esperava muito que não fosse. Uma pessoa inteligente não fica caçando briga. Ainda mais uma que não podia vencer. Tinha que ser esperta.

Meus passos eram os mais silenciosos que consegui fazer com que fossem. Era como brincar de esconde-esconde com os animais selvagens que espreitavam a floresta. Ainda era dia, mas quando anoitecesse, tinha certeza de que haveria olhos com visão noturna aparecendo entre a folhagem, e com muito apetite. Estremeci.

Quando olhei para trás, não tive nem um relance da grande casa de vidro. O sol estava na linha do horizonte, as grandes árvores sufocavam seu brilho já escasso, minguando a cada minuto. Nunca tinha tido medo do escuro, mas isso era porque não havia nada a temer.

Outro medo que não tinha era o de altura. Na verdade, gostaria de ser um pássaro. Agora, depois do que acontecera com Oliver, me perguntei se conseguiria subir em um galho para dormir ou ao menos ficar protegida na medida do possível.

Paciência é, sim, uma virtude. Porém uma que eu não possuía. Já bastava daquela enrolação e segredos. Odiava a sensação de ser deixada de fora, jogada de lado, como uma inútil, só porque eu não possuía habilidades extraordinárias. Quase senti vontade de rir ao lembrar da minha conversa com Jake no rio. Apenas quase.

Por mais bobo que parecesse, fiquei pensando se tinha de fato algum talento, mesmo um comum, algo corriqueiro como pintar ou bordar. Havia ensinado a mim mesma a tocar piano, talvez fosse isso. Não que eu usasse esse conhecimento com frequência. E não que eu tivesse chance de entrar para a Fila Harmônica.

Um farfalhar à minha direita fez com que eu olhasse rapidamente para o lado, agarrando a adaga e esquecendo completamente pensamentos que não envolvessem sobrevivência.

Decidi que iria correr se não pudesse enfrentar. Não tinha planos de ser morta por minha estupidez. Nunca havia pensado muito sobre isso, só não queria ser um corpo dilacerado e esquecido apodrecendo e servido como banquete para vermes e carniceiros.

Um suspiro de alívio escapou de mim, do fundo do meu ser, ao encarar os olhos brilhantes da mini-girafa. Ela me encarou com o olho que não estava lambendo. Sem entender o que me levou a fazer isso, segui-a para onde quer que ela estivesse indo.

Não havia mais claridade do dia e eu tinha que apertar os olhos enquanto esperava que se adaptassem a falta de luz o máximo que pudessem. Quem me dera ser uma coruja. Minha tia sempre me disse que eu era versada em falar besteiras. Ou apenas pensá-las.

A lambedora de olhos parou mais à frente, me fazendo derrapar na terra escura; o som não foi nada reconfortante. Qualquer ruído que produzia sentia como se estivesse tocando tambores ou acendendo uma fogueira quente, clara e brilhante. Agradeci que essa noite estivesse morna e o céu, limpo, como um manto negro salpicado de estrelas.

Os Últimos Descendentes - SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora