III. Uma barreira invisível

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Dois dias.

Foi a quantidade de tempo em que fiquei oscilando entre consciente e inconsciente.

Minha tia tentou enfiar chá na minha cara quando consegui abrir os olhos por mais do que alguns minutos e focar a visão, mas empurrei a bandeja com a xícara branca do seu jogo de porcelana pra longe.

Tinha que ir atrás de Elena.

— A polícia está procurando por ela — informou minha tia, me fazendo perceber que talvez eu tivesse dito em voz alta. Esfreguei as têmporas com o indicador e o dedo médio.

— Não vou contar com a incompetência deles— respondi e me levantei. A colcha de retalhos foi ao chão, deslizando pelas minhas pernas.

— Não seja tola, Juliet. É o trabalho deles.

— E é por isso que não vão se esforçar. Nem a conhecem. Eu me importo com ela. Steve, seu irmão caçula, se importa com ela. Não uns desconhecidos de farda com armas que fazem mais mal do que bem.

— Não seja idiota. Uma garotinha de dezessete anos que ainda nem terminou os estudos não é uma detetive. Deixe que façam seu trabalho.

— Como pode estar pensando nisso agora? Não é você que diz que não se deve depender dos outros? — lembrei-a com ironia.

Alguém bateu na porta da frente antes da réplica. Tia Meg foi atender contrariada enquanto eu pensava no meu próximo passo. Meu Deus, que dor de cabeça!

Era Steven. Ele ficou parado no batente, sem entrar. O irmão de quinze anos de Elena me encarou, vestido de uma camiseta xadrez vermelha, o cabelo despenteado.

— A gente precisa ir atrás dela, Julie — disse ele.

— Não incentive essas ideias de girico. Os dois são crianças, não veem? — interveio minha tia.

Ignorei-a e subi as escadas até meu quarto, onde troquei o pijama por calças jeans e camiseta de maga comprida, além de pegar meu casaco. É só uma coisa que as pessoas fazem. Não estava frio, mas antes de sair as pessoas sempre pegam o casaco. Me perguntei se minha mãe seria desse tipo, que dizia "Não esqueça o casaco, nunca se sabe", mesmo com o sol brilhando a toda lá no alto. Aproveitei e levei a bússola também, que estava na cômoda. Algo me dizia que Elena estaria onde a agulha ficava louca.

Tia Margareth veio atrás de mim e fechou a porta. Como se isso fosse me impedir.

— Ouça, Juliet, tem uma coisa que não te contei por que achei nunca precisaria. Sua mãe achou ter garantido isso.

— Do que você está falando? — Levei a mão ao lugar onde o medalhão costumava ficar, sem poder me controlar. Era o que eu tinha dela, e agora... não tinha mais.

— Essas... pessoas que levaram Elena são... eles são...

— O quê? São o quê? — apressei impaciente.

— Olha, eu menti. Magia existe. Eles são feiticeiros — disse como se cuspisse as palavras. — Do tipo ruim.

Em outra ocasião eu teria rido, mas não encontrei riso em mim mesma naquele momento. Acho que, na verdade, eu teria ganhado um concurso de Cara Séria, se participasse de algum. Meu rosto ainda não tinha travado daquele jeito, mas sempre há tempo, não é?

— Está delirando. Preciso ir agora e quem sabe acho alguma pegada, algo para seguir. — Fui em direção a porta, mas minha tia a fechou e colocou o braço na minha frente. Girei o corpo lentamente e pus os braços na cintura, o casaco pendurado em um deles como em um cabide. Isso me lembrou que tinha que organizar meu armário. Não é momento pra isso!, me repreendi mentalmente. Você tem o excelente timing, Elena, não eu.

Os Últimos Descendentes - SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora