XXVI. Guia humana

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Partiríamos pela manhã. Já tinha me arrependido de arrumar tudo com tanta rapidez, pois agora precisava de uma distração até estar dentro daquele barco. Felizmente, eu tinha Jake para me ajudar com isso.

Treinávamos no gramado da escola, nos limites da floresta, esperando o tempo passar. Primeiro com espadas e agora corpo a corpo. Queríamos estar em forma para o que viria. O sol parecia não ter pressa nenhuma de ir para oeste. Então continuamos a nos esquivar, dar rasteiras um no outro, e trabalhar nas defensivas.

Dei a volta em Jake e pulei nas suas costas, planejando derrubá-lo, mas o tiro saiu pela culatra, porque nós dois acabamos no chão, gemendo com o impacto. Suas costas me pressionavam, porém deixá-lo vencer estava fora de questão. Dei-lhe uma chave de braço, mesmo sendo esmagada.

Jake bateu no meu braço e eu o soltei, ficando deitada mesmo quando ele ficou de pé e ofereceu uma mão pra mim. Semicerrei os olhos em desconfiança, ao que ele apenas levantou as sobrancelhas e deu de ombros. Decidi dar um voto de confiança e aceitar. Escolha ruim; ele me puxou tão rápido que dei vários passos pra frente, e se aproveitou disso tentar me derrubar.

Um som crocante o parou, me dando tempo para me virar e armar minha defesa. Era Luke, encostado em um tronco, os tornozelos cruzados, mordendo uma maçã de um vermelho intenso. Não usava a capa, mas vestia o resto do uniforme.

Jake relaxou o corpo e estralou as costas, depois me olhou com o que deveria ser inocência.

— Vou pegar algo pra comer, você quer?

— Não deixe sua vida depender de que minta — devolvi, dando um sorriso irônico sem dentes, e fui me agachar para pegar a jaqueta.

— Você sabe do que ela está falando? — perguntou a Luke, bobamente. Revirei os olhos.

Passos hesitantes vieram na minha direção. Ouvi o som abafado do miolo da maçã a atingir grama fofa.

— Luke, eu não posso — falei, de costas para ele.

— Lutar? Estava fazendo isso agora mesmo.

Suspirei.

— Não entregue seu próximo movimento antes mesmo de ter certeza de que vai usá-lo — aconselhou Luke, de qualquer maneira.

Larguei a jaqueta onde estava, pendurada num galho baixo, e me virei para encará-lo.

— Da última vez que eu chequei, tinha te derrotado na aula de combate.

Ele deu de ombros, como se não se importasse, diferente da sua reação quando aconteceu de fato.

— Sorte — respondeu, puxando alguma linha invisível do colete do uniforme.

— Ah, tá. — Ri, incrédula.

— Vamos lá, então. Me mostre que estou errado.

Não entendi o que ele ganhava com aquilo, usando uma armadilha tão velha quanto a que usaram com ele no dia do baile para que se juntasse a nós no jogo de verdade ou consequência. Apertei os olhos em sua direção. Sua expressão era de desafio.

Erguei os braços, tomando minha decisão

— Tá bom, então — verbalizei, já espaçando as penas e flexionando os joelhos.

Começamos com movimentos simples de direita e de esquerda, mais se circundando do que agindo. Abri e fechei os punhos, me aquecendo. Ele fez o mesmo.

— Por favor, não vá — disse Luke, de repente. Pisquei, sem reação. — Eu sei como isso soa, mas não é do jeito que você pensa.

Ignorei e desferi o primeiro golpe, do qual ele desviou sem dificuldade.

Os Últimos Descendentes - SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora