Usamos a palavra "engraçado" erroneamente, igual à "literalmente" — como quando Elena chegava ao porão e se jogava no sofá contando uma piada que ouvira em algum lugar e terminava com: "Quando Fulano me contou, eu morri de rir. Literalmente".
Um vício da língua.
Eu ia dizer "engraçado como as coisas se contrabalanceiam", mas não é engraçado. É o mais longe possível de engraçado.
Antes que pudéssemos entrar na casa depois de Luke rir, um som que eu nunca achei que ouviria, sombras tomaram forma. Literalmente. E não estou usando a palavra de forma errada.
A natureza também parecia estar se ajustando ao som recente enquanto corríamos, não na direção contrária, mas na deles.
Jake, que devia ter visto de onde quer que estivesse, tomou a frente e usou uma faca de ferro conjurada ali mesmo, criada de sua vontade.
Eram dois contra um, ainda assim. Conscientemente, o estava afastando da Casa, levando Jake mais para longe, para a lateral da escola oposta à que dava para a Barreira. Logan e Annabell deviam estar a caminho.
Os homens-sombra brandiam lâminas que pareciam engolir qualquer luz e se ajustar à escuridão. Era diferente de tudo que já tinha visto.
Um deles girou a que lhe pertencia, mais longa do que uma adaga, mas menor que uma espada, numa demonstração de poder.
Por que estão atacando?, refleti. Primeiro Stef dissera que haviam levado Elena numa vingança tardia por minha mãe ficar no caminho. E agora Luke dizia que Drakon queria alguma coisa dos Descendentes. Motivo pelo qual tinha ouvido Luke e Anna discutirem quando me pegaram bisbilhotando. E com Allison, que era amiga de Henry. Quanto deles existiam?
Alguém chamara Stef, que saiu da Casa pela porta da frente com pressa, segurando o vestido longo verde-oliva.
Era engraçado — nada engraçado — o quanto de coisas podem acontecer em um espaço tão curto de tempo.
Apesar de Luke e eu não estarmos tão longe, só chegamos a cerca de dois metros da luta quando Jake tentou um golpe e, antes que a faca atingisse o alvo, a vimos virar pó em suas mãos. A imagem do copo criado por Jake, poeira branca ao vento, me veio à mente. A Arte da Criação não durava. Não por muito tempo. Dessa vez, não por tempo o bastante.
Jake olhou para frente, sabendo, entendendo que só podia aceitar o que viesse agora. Luke parou de supetão, derrapando, os olhos arregalados, compreendendo também que não podia fazer nada além de olhar. Que mesmo que corresse e pulasse em cima deles, não ia adiantar.
E eu percebi: você tem que pagar por tudo que recebe, para ficar quites com a vida.
Uma coisa por outra. Dor pelos segundos fugazes de um riso sincero. A ordem não importa de verdade. Porque pagamos o preço, de um jeito ou de outro.
— Não — gritou Luke.
A lâmina preta atravessou o corpo de Jake.
»»※««
Tinha sangue na grama — pingos. Não havia tido tempo de empoçar.
Stef não precisara de ferro. Uma onda de sua energia expulsou os inimigos do território dela.
Logan e Anna chegaram, a última tampando a boca com a mão em choque, lágrimas já enchendo-lhe os olhos cor de mel. Acho que a escola toda saíra, rodeando a cena. Por fim, a diretora os fizera entrar e deixou que nós, os amigos de Jake, cuidássemos dele. O machucado era profundo no estômago. Jake respirava de forma rasa, superficial. E doía. Ele não tivera vergonha de demonstrar a dor, porque não havia nada de vergonhoso nisso.
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Os Últimos Descendentes - Sangue
FantasyVocê acredita em magia? Juliet Thorne costumava não acreditar, mas ela não fazia ideia de que tudo que ela aceitava como realidade estava prestes a mudar. E que ela não teria outra escolha. Depois de sua melhor amiga ser levada por homens materia...