XXIII. Subterrâneo

162 19 9
                                    

Meus braços estavam arranhados por causa do túnel de troncos retorcidos e espinhos que tivemos de atravessar até chegar à caverna guardada pelo grifo. A capa lutara bravamente, mas fora rasgada, como a pele embaixo. Não era um lugar feito para ser encontrado facilmente, constatei.

E, além disso, ficava a quilômetros da escola. Aquela era uma floresta realmente grande, inserida dentro de um mundo que não fazia ideia de sua existência. Meio que como Nárnia em seu guarda-roupa.

O ar tinha um cheiro forte dos pinheiros e abetos e de terra molhada.

Esse era o único caminho que eles conheciam; muitos se perdiam tentando contorná-lo na esperança de evitar as partes mais desagradáveis.

Saímos bem na entrada de pedra, coberta de musgo e coberta de arbustos. Mas...

— Onde ele está? — perguntei, observando os arredores com tanta rapidez que meus globos oculares doeram.

Só quando minha voz cortou o ar foi que reparei no silêncio mortal, antigo e primitivo. Meus pelos se arrepiaram. Não me admirava a Vidente ter nos mandado buscar sua ampulheta; ninguém em sã consciência iria até ali apenas por capricho.

— Quem vai primeiro? — perguntou Jake.

Trocamos um olhar entre nós, e depois espiamos a fenda que dava para o lado de dentro, apreensivos. Era o mistério que corroía, não saber o que nos esperava.

— Juntos? — sugeri, mas foi uma ideia boba, não caberíamos todos de uma vez. A menos que fôssemos em linha. Estendi minha mão para Annabell, e a outra, hesitante, para Luke, que estava logo na minha frente.

Como uma corrente, respiramos fundo e demos o primeiro passo.

Só torcia para que na nossa não houvesse um elo mais fraco. E que não fosse eu.

O ar parado, úmido e doce, era previsto. O chão irregular, os ecos, a escuridão. Acender ou não acender uma luz? O que era mais importante: não ser visto ou ver? Decidimos que era enxergar. A bola luminosa não era grande ou forte demais, mas era reconfortante conforme nos seguia pela passagem estreita e gelada de pedra e líquen.

Certa vez, depois de um blackout, a mãe de Elena fora a procura de velas no escuro e caíra da escada, quebrando o braço. O som nos fizera quase saltar até o teto, como gatos eriçados. "Se tivesse que escolher entre ver e ouvir, qual preferiria perder?", indagara Elena. Nenhum, era a minha resposta, mas se eu tivesse, ela insistira. Ela disse visão, pois não aguentaria não ser capaz de ouvir música. Mas eu respondi que a ideia de nunca mais ver o pôr-do-sol, o rosto da minha mãe, mesmo que em uma fotografia, a floresta nos dias de neve, como se estivesse coberta de açúcar de confeiteiro, a forma como o rosto inteiro de alguém se transforma quando ri verdadeiramente, ou os olhos da pessoa por quem eu me apaixonasse ao me ouvir dizer "eu te amo" pela primeira vez — a ideia de não poder ver isso tudo — me desesperava.

Dentro daquela caverna, era, acima de tudo, parte do instinto de sobrevivência. Para avaliar as ameaças e não deixar a mente viajar para lugares longe demais, assustadores demais.

Pingos caíam das estalactites, quase criando uma melodia.

Só víamos paredes de rocha e insetos. Nem morcegos saíram dali voando. Mesmo assim, sentia-me observada, como olhos queimando na minha nuca. Aí atingimos uma bifurcação. De um lado, um som de rocha raspada — medonho — e do outro... nada. Mas a abertura era ilumina por pontos azuis fluorescentes, como vaga-lumes, semelhantes às Arachnocampa luminosas nas Cavernas de Waitomo, na Nova Zelândia.

Podia ser uma armadilha. Ou a armadilha podia ser a obviedade de que era uma armadilha. Ou, talvez, os dois caminhos levassem a um destino horrível.

Os Últimos Descendentes - SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora