XV. E foi assim que

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Levei os feiticeiros - e Logan - à cidade.

Fui na frente, fingindo-me de uma profissional.

- E essas são as ruas. Temos a praça logo à direita, com árvores e o parquinho - eu dizia solene, como que guiando turistas pelo museu.

Levei-os a feira, onde reconheci alguns comerciantes vendendo seus produtos. Jake e Anna pareceram gostar; para Logan não era novidade, mas não sabia dizer o que Luke achava, com sua expressão entediada. Era uma máscara, um escudo? Talvez fosse só quem ele era e eu devesse aceitar. Mas... eu vira um outro lado dele, não tinha imaginado.

Quem sabe tudo não fosse alucinação de uma garota em coma que queria desesperadamente acreditar em magia?

Jake riu atrás de mim.

- Você é ótima nisso - disse ele.

- Sou boa em perceber ironia também, sabia?

- Sei agora - respondeu sorrindo, e eu retribuí o gesto.

Paramos numa parte congestionada. Tinha uma plateia assistindo a algum espetáculo. Fiquei na ponta dos pés tentando ver por sobre os ombros das pessoas. Estavam gritando, mas não se podia entender nada.

- Talvez essa placa ajude - disse Anna, apontando para trás de si com um polegar.

- Concurso de estação de comedores de cachorro-quente - leu Jake.

Luke fez uma careta. Mas o rosto de Jake se iluminou.

- Me diz que não é uma metáfora que não faço ideia do que significa.

Tive um relance da mesa comprida com pratos de pão com salsicha colocados na frente de pessoas comendo afobadamente.

- É exatamente o que você leu. Sentido literal. Exceto cachorro quente, pois não é um cachorro quente. É ao lanche que eles se referem.

- Obviamente - observou Luke.

- Na China eles comem cachorro, sabia? - interferiu Logan. Luke apenas olhou para ele sem resposta.

- Eu tenho que participar - pediu Jake, praticamente salivando. Pensei em seu machucado que ele dizia nem lembrar mais da existência, mas, diferente das outras vezes em que ele havia se ferido, esse deixaria uma cicatriz física também, não apenas metafórica. Ele achava que não percebíamos as caretas que ele fazia de tempos em tempos ao andar ou quando encostava onde a faca atravessara.

- É mesmo uma boa ideia? - perguntei.

- Provavelmente tem que se inscrever com antecedência - me apoiou Anna.

- Só há um jeito de descobrir.

Abrimos espaço pela multidão atrás do garoto faminto, recebendo pisões nos pés e xingamentos variados.

O juiz animado narrava como se fosse uma partida de futebol em seu microfone:

- Joe está quase lá, só mais alguns, mas será que ele vai aguentar? Hannah está quase empatando, mas ouviram aquele arroto? O estômago está reclamando.

Jake parou do lado dele e faz psiu, interrompendo-o no meio de uma frase que só ele parecia ter achado engraçada.

- Algum problema, garoto? - O narrador colocou uma mão sobre a cabeça do microfone para abafar o som.

- Vai ter mais alguma rodada? Eu gostaria de participar.

O narrador o olhou de cima a baixo.

- Você não deve aguentar nem dois pãezinhos com toda essa magreza.

Os Últimos Descendentes - SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora