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" O Egito é uma dádiva do Nilo''
- Heródito.

Antigo Império egípcio, 2528 a.C.

Era o segundo ano que o Faraó Quéops governava, o segundo imperador da Quarta Dinastia, filho de Snefru e pai de muitos filhos. Mas pai sobretudo, da crueldade e da falta de compaixão. A grandeza era seu principal objetivo, nada seria um obstáculo para isso. Nem mesmo a vida de seus servos, que o amavam como um deus vivo, seria empecilho para sua megalomania.

Quéops passava seus dias em deleite admirando as pirâmides que havia ordenado construir, do seu quarto suntuoso localizado no palácio. A visão das majestosas obras arquitetônicas estampavam a janela da aposento do rei.

— Pai, permita-me entrar em seu aposento. – diz Djedefré, filho mais velho de Quéops, que esperava cauteloso o pai permitir sua entrada.

—Entre e me atualize sobre a construção das pirâmides, meu filho. – respondeu o Faraó olhando o horizonte, no qual vislumbrava a silhueta das grandiosas obras em construção.

-—Meu pai, grande deus, hoje morreram duas dezenas de servos com o rompimento de uma das amarras. Peço-te que reconsidere o projeto inicial, diminua o volume das pedras. Imploro-te em nome da vida dos servos. -–suplicou o jovem, que era o filho primogênito.

Djedefré era um dos muitos filhos de Faraó, o primogênito que assumiria o lugar do pai. Entretanto, diferente de seu progenitor Dje, como muitos chamavam, tinha simpatia pelos servos e camponeses. O jovem príncipe se aventurava em cada oportunidade para ter contato com a plebe, até mesmo na supervisão da construção das pirâmides. Para muitos, as ações do príncipe eram reprováveis, um desrespeito à dinastia. Para outros, eram a esperança de um reinado mais sensível.

Seu pai, por sua vez, enxergava o comportamento do filho como um encanto à insignificância e inferioridade. O deus vivo do Egito é soberano e onipotente, nada se iguala a ele e a sua linhagem.

-—Como ousas dizer ao deus vivo para limitar sua grandeza? -–retrucou firme o imperador, ainda sem olhar para o filho.

-—Meu imperador, apenas peço uma pouco de misericórdia...– respondeu assustado e contido.

—Djedefré, saia agora! – exigiu sem nenhuma hesitação ou contato visual –Limite-se a sua insignificância, que Hórus proteja o Egito quando eu for para o meu pós- vida. Pois seu reinado, meu ordinário filho, se não visar à grandeza será inexistente.

A palavras atingiram o rapaz como navalhas, mal sabia ele que a arrogância de seu pai era tão gigante quanto as três pirâmides. Para ele pouco importava se o Egito acabasse após sua morte, o Universo era só ele do início ao fim.

Djedefré sai da sala sem dizer uma única palavra, o que poderia fazer além de se curvar às vontades do pai, sua aprovação era seu segundo maior desejo. O jovem cruza os corredores do palácio, em seu caminho encontra os inúmeros servos que são privilegiados por trabalharem na locação do rei, enquanto outros morrem esmagados no Sol escaldante do Egito.

Todos os corredores era pintados na cor branca, as paredes continham adornos e pinturas que narravam a história das dinastias que antecederam o atual reinado. Apesar da região ser quente, a maestria dos arquitetos proporcionava um ambiente agradável arejado. Esculturas douradas dos deuses amados e temidos preenchiam cada espaço com cor, sacerdotes caminhavam pacientemente, seguidos de escribas que carregavam inúmeros rolos de papiros. Ao passar pela cozinha, teve seu olfato inundado de odores que ultrapassavam a camada sensorial, resgatando em sua mente cores e sabores.

Durante o caminho refletiu sobre o que se passava, as pirâmides prosseguiam em construção, e no alicerce o sangue de servos era abundante. Um labirinto de riquezas e almas perdidas.Ele não odiava o pai, sabia que um Faraó ou é grande ou não é nada. Sabia que existiam alternativas mais misericordiosas do que as tomadas por seu pai, mas no final das contas uma questão mais importante era que lhe causava mais incômodo. A estrutura da dinastia era sua maior inimiga, ela impossibilitava que seu grande amor se concretizasse. Impossibilitava que seu verdadeiro amor fosse aceito plenamente como membro da nobreza.

LINHAGEM [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora