"A História é um pesadelo de que tento acordar." — James Joyce.
El Qars, maio de 2012.
Havia apenas uma única fonte de luz, uma tocha que resistia aos ventos ferozes que surravam a sala fechada. Malu estava perdida, sua mente era uma tela em branco e não conseguia assimilar como tinha chegado ali. A chama que carregava em sua mão ameaçava apagar a qualquer momento e uma tensão a consumia pouco a pouco, com a possibilidade latente.
Estava conseguindo manter a respiração controlada, até escutar o sibilar incessante. Aproximou a chama do som e viu que ele vinha de cobras, uma infinidade de serpentes se moviam no chão que parecia sem fim. A presença abrupta dos animais fez com que ela largasse a tocha que ecoou no solo, de repente o número de víboras se multiplicou e a mulher assustada se moveu para trás, andando de costas. Só parou quando uma pedra maciça atingiu sua coluna, tinha topado em uma caixa grande e uniforme com milhares de símbolos escritos na superfície.
Por alguma razão, as cobras pararam e a calma se sustentou no corpo da mulher. Involuntariamente, pôs a mão sobre a pedra e sentiu uma energia atraí-la para o interior do reservatório. Sem hesitar encostou o ouvido na superfície besuntada.
— Sangue do meu sangue... – a voz chamava dolorosamente.
A jovem mulher foi tomada por uma vontade sem limites de libertar a dona da voz, começou a arranhar os blocos enegrecidos. Nos muitos espelhos sua imagem era uma figura desesperada e desorientada, movida por uma insanidade sem precedentes.
— Malu, Malu... – solavancos a despertaram.
— O que? – respondeu assustada, perguntando-se onde estava.
— Chegamos. O jatinho já pousou. – Antonia disse sorridente. – Você conseguiu dormir a viagem inteira.
— Claro que consegui, essa poltrona é mais confortável que a minha cama. – respondeu, afastando a sensação de temor que o pesadelo havia causado.
Enquanto a irmã se recuperava das imagens que haviam lhe assombrado durante sono, Antonia sentia o coração palpitar de felicidade com a chegada. Foram muitos requerimentos para que a pesquisa tivesse sido aceita, e ainda que a pesquisa houvesse mudado de foco, a alteração não incomodara nem em um pouco a historiadora. Na verdade, a nova temática havia lhe soado mais efetiva e atrativa. O mistério do Faraó Djedefré parecia algo inerente a mente de Antonia, ainda que ela nunca tivesse particularmente prestado atenção na questão. Agora, toda a premissa da expedição pertencia a ela como sua própria identidade. Sentia-se completa e entusiasmada, como uma criança que recebe a sobremesa antes do jantar.
— Então, vamos lá! – Ghandour falou como uma cópia divertida do Indiana Jones. O grupo riu em reposta a tentativa de piada.
Assim que o grupo desceu do jatinho um comboio de jepps os esperava, todos entraram cansados do tempo de viagem. Por mais que o jatinho fosse excessivamente confortável, a mudança de fuso horário afetara o humor e disposição da equipe.
— Bem, acredito que o melhor para o rendimento da expedição é que todos descansem hoje e amanhã começamos a trabalhar no campo de escavação. – Antonia começou antes de entrarem no carro. – Está tudo bem para você, Senhor Ghandour? – ela completa receosa.
— Ah, claro. Eu quero que fique evidente que você é quem chefia a expedição. Estou aqui como mero espectador, vou seguir as suas instruções. Trate-me como um dos membros da equipe, quero dizer como um assistente já que não tenho metade do conhecimento de nenhum de vocês. – ele redarguiu solícito.
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LINHAGEM [CONCLUÍDA]
Historical FictionEm 2526 a.C., a Quarta Dinastia Faraônica reinava próspera e plena no Antigo Egito. Sob a proteção dos deuses, a realeza desfrutava de uma realidade luxuosa, enquanto servos se sacrificavam para atender os caprichos dos nobres. Até que uma mulher, t...