IX

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"Todos os homens são passíveis de errar; e a maior parte deles é, em muitos aspectos, por paixão ou interesse tentada a fazê-lo.”
- John Locke.

Londres, abril de 2012.

Antonia leu as palavras com cuidado e atenção, debateu com Laura por alguns minutos uma possível interpretação, mas por fim as duas assumiram que não encontrariam uma explicação racional para o pequeno poema. Tentaram imaginar que as frases possuíam apenas conotação mitológica e religiosa, sem se caracterizar como um registro histórico.Essa era melhor alternativa a qual poderiam recorrer, as mais diversas interpretações das metáforas não levavam a nada que não fosse fantasioso. Não existia lugar para fábulas desconexas na História, tudo era fato, análise, estudo e contextualização.

História é uma ciência, afirmar que os versos retratavam uma maldição real, equivaleria ao físico dizer que a Terra era plana.

A arqueóloga saiu do prédio tentando vasculhar sua própria mente em busca de informações ignoradas, relembrou todas as bases de Annalles e do método de estudo. Recriou em seus pensamentos as lendas e curiosidades do Egito, mas tudo fora em vão já que suas memórias não incrementavam a narrativa de sua expedição.

Quando saiu do prédio, Eddie a esperava sentado no banco do motorista do próprio carro, por alguns instantes ela pensou em girar os calcanhares e retornar a própria sala, fingindo que não havia visto ele. Contudo, estaria apenas adiando o inevitável. Além disso, o rosto tranquilo do namorado a levou ao seu encontro um pouco mais relaxada.

-Oi. - falou ela em tom moderado com medo de que suas palavras pudessem despertar uma resposta combativa.

Ele respondeu um com um aceno de cabeça e falou que iriam para o restaurante, em geral os dois iam mais frequentemente a pubs e bares descolados mas aquele momento exigia um ambiente mais intimista e discreto.

O caminho foi preenchido pelas notícias do dia da rádio universitária, a voz feminina debatia a calamidade dos trabalhadores escravos na Ásia e a influência do neocolonialismo dentro do panorama. Em um dia normal, o assunto seria fruto de um debate acalorado entre os dois, com o direito a citações de especialista e dados. E no fim da noite, ambos ficaram em concordância dissertando sobre um imenso o ódio ao sistema.

Entretanto, aquele não era um dia normal.

Os dois brigavam muito raramente porque Antonia sempre tomavaa decisão mais prática e acabava evitando todo tipo de conflito, ela se sentia desconfortável com a vulnerabilidade que as discussões de relacionamento traziam à tona. Logo, sempre achava um jeito de escapulir da situação.

- Como foi a reunião? - perguntou Eddie tentando ser diplomático, assim que chegaram no restaurante. Interiormente, ele queria dissipar a tensão desagradável.

- Foi normal. - mentiu, não cabia àquele momento discutir os mistérios do Egito.

- Ele estava lá? - questionou abandonando o tom amigável.

- Sim, ele e os outros membros da equipe. - tangenciou.

- Por que não me contou que trabalharia com você desde o início? - indagou ainda calmo.

- Eu não queria te preocupar. - começou poupando forças caso houvesse um clímax dramático.

- Como eu posso não me preocupar, quando você trabalha com aquele babaca. Você devia entrar com recurso para que ele fosse retirado do projeto. - exclamou sem se importar com o garçom que se aproximou para fazer anotar o pedido.

Antonia desviou o olhar para as janelas, encarando a rua com movimento minguante do lado de fora. Tentou resgatar em suas lembranças a história da rua que encarava. Estavam em um dos muitos restaurantes da Regent Street, umas das ruas mais frequentadas de toda a cidade. A rua era considerada uma das mais lindas de todo país, com um número infinito de lojas e shoppings, um modernidade que constratava com arquitetura das fachadas. A Regent Street havia sido construída em homenagem ao príncipe regente,que assumiu o trono como George IV em 1820, o espaço era considerado o ápice do planejamento urbano, graças ao arquiteto John Nash. Um marco histórico que não tinha a menor importância para o garotinho que andava relaxado com um saquinho de pipoca em suas mãos, entre os beirais.

LINHAGEM [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora