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"Era isso que eles queriam: mentiras. Mentiras maravilhosas. Era disso que precisavam. As pessoas eram idiotas, seria fácil pra mim assim.”
- Charles Bukowski.

Antigo Império Egípcio, 2526 a.C

Quando chegaram a uma decisão, Kytzia e Djedefré saíram do quarto com agilidade. O príncipe estremeceu um pouco ao ver o corpo da sua irmã morta, parecia que ela já tinha passado por mumificação há pelo menos uma década.

Era assim que eu estaria, se Kytzia não tivesse compaixão por mim. - pensou.

- O que faremos com corpo? - perguntou ele que era o mentor do plano, mas não tinha pensado nos detalhes necessários.

- Podemos quebrá-la em pedaços e escondê-la até o sol nascer, depois a colocaremos no Nilo. - respondeu consistente a mulher.

Djedefré estremeceu mais uma vez com as palavras frias, uma incerteza percorreu sua espinha momentaneamente. Uma ponta de sanidade quase dominou suas atitudes, mas a paixão rasgou qualquer senso nascente em meros segundos.

- Eu sinto muito, sei que era a sua irmã, mas eu precisava fazer isso. - a cortesã diz dissipando as dúvidas do príncipe.

Hetepheres e Djedefré nunca foram muito próximos, tinha consanguinidade apenas por parte de pai. Ela já tinha sido casada com Kawab, um outro irmão de ambos. E seria sua futura esposa como Quéops anunciou durante o café da manhã, o incesto era uma prática comum dentro das dinastias e serviam para manter a linhagem real. Mas isso estava no passado, não teria mais que se casar com sua irmã. Iria escolher sua esposa, ainda que ninguém soubesse e que Kytzia estivesse apaixonada por outro.

O rapaz se aproximou do corpo e com temor tentou ergue o antebraço rígido e sem vida, o membro quase se desmanchou em suas mãos. Todos os fluídos corporais tinham sido drenados, cada gota de sangue fora sugada e músculos haviam sido consumidos. A cortesã não teve a mesma delicadeza que ele, pegou rapidamente a morta e a destroçou, por fim colocou os restos mortais dentro de uma manta formando uma trouxa. Nada daquilo poderia ser pior que Apófis tomando conta de sua fertilidade, parte de sua sensibilidade tinha sido exterminada.

- Você não precisa fazer isso - falou lendo o assombro facial do homem que lhe acompanhava - essa não é sua luta.

- A minha luta é aquela que me fizer ficar ao seu lado. - respondeu determinado.

- Temos que raspar minha cabeça - ela retrucou absorta a declaração - usarei uma das perucas de Heteferes para compor ainda mais a silhueta.

O príncipe não queria raspar a cabeça da amada, sabia que era infantil se recusar a tomar aquela decisão, que obviamente era a mais apropriada. Contudo, já tinha perdido muito naquela noite, não queria perder mais nada. Nem mesmo a juba castanha e ondulada que resistira aos costumes egípcios de prevenção a piolhos e carrapatos, ela era uma das poucas cortesãs que não usava peruca. Por fim, eles prenderam o cabelo em um coque apertado e adiaram a decisão para mais tarde.

Depois de um banho rápido, a maquiagem começou a ser feita, do ponto de vista místico, as tintas pediam que os deuses Horus e Ra protegessem de infecções os olhos daqueles que usavam pintura. Um esmero especial foi dedicado a esse momento, quando foi preciso ocultar a marca que a concubina carregava no braço. Um vestido branco foi escolhido e colocado de forma a reforçar o disfarce, por último um véu foi posto sobre a face de Kytzia ocultando seu rosto. O lenço era pesado e turvo, o que atrapalhava grandemente a visibilidade da farsante que tomou tempo para se acostumar.

Assim que concluíram a transformação, escutaram um grito desesperado no corredor e o som de metal ecoou pelo palácio.

- Oh, meu deus Hórus, o aconteceu aqui? - exclamou a voz.

LINHAGEM [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora