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"Lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente."
- William Shakespeare.

Londres, março de 2012.

   Giordano V. Peasso - Egiptólogo

   Era o nome dele.

   As memórias a engoliram mais uma vez, agora ela estava revivendo seu primeiro dia de aula no mestrado. A empolgação de morar na Europa, de fazer parte de uma classe da Imperial College London. Tudo era novo, diferente e claro, muito frio. Ela ainda não acreditava que estava ali, caminhando pelo campus da instituição que iria visitar por pelo menos três anos.

   O entusiasmo com a visão dos prédios medievais da universidade tomaram muito tempo de Antonia, que em seu primeiro dia decidiu ir vinte minutos adiantada caso algum imprevisto acontecesse, ela estava morando em uma kitnet, que ficava só dois quarteirões de distância da faculdade. O lugar era pequeno, com apenas dois cômodos e um banheiro minúsculo, mas era tudo que a mestranda podia pagar com o baixo salário de estagiária.

    Encantada com a arquitetura do local, ela não percebeu que estava caminhando na ciclovia, só vislumbrou o seu erro quando um ciclista lhe atingiu de raspão e caiu em seguida.

   — Ragazza, hai perso la testa! gritou o homem tentando se levantar.

   — Minha nossa senhora! – exclamou ela em português, dando a situação um teor de torre de Babel moderna. – Desculpe-me, eu sinto muito... – seu tom era de súplica enquanto tentava ajudar o homem a levantar.

    O ciclista era obviamente italiano, pele bronzeada e cabelos que ultrapassavam o limite do capacete. Seu rosto era delicado, mas seus gestos eram tão literalmente masculinos que fez Antonia lembrar da atuação dramática de atores mexicanos.

    — Você não viu a placa, as faixas e toda a sinalização de ciclovia! – as palavras eram rudes.

    — Eu... – constrangimento e culpa consumiam a moça – Eu estava distraída, desculpa. Sinto muito. – completou se afastando do homem.

    — Está tudo bem, – retrucou mais delicado, com um pouco de pena da jovem avoada – você é nova aqui, não é?

   — Sou sim, é meu primeiro dia. Eu vim mais cedo para olhar o campus. – respondeu ainda incapaz de encarar o italiano. – Eu tenho que ir para aula. – completou andando apressada, com o objetivo de se afastar o mais rápido possível da situação.

   — Ei, ei espere um pouco! – o homem que aparentava está na casa dos trinta correu atrás dela.  – Está tudo bem, você se desculpou. Não precisa ter medo de mim. – disse com um sorriso simpático. – Você é aluna de qual curso?

   — Eu sou aluna do curso de mestrado. –respondeu tentando articular as palavras de maneira clara. – Sou bolsista na área de história de civilização antigas. – não pôde conter o ego e explanou seu currículo. Não queria que o homem charmoso achasse que ela era só uma universitária, sem nenhum senso de direção.

   — Você é mestranda. – ele parecia surpreso, o que despertou uma perceptível irritação na moça. – Quero dizer, você parece ser tão jovem! – tentou corrigir a primeira. fala. – Quantos anos você tem?

   — Vinte e três. E você? – a fala foi quase automática.

   — Trinta e também sou da área de história. – a afirmação foi ganhando uma conotação de aproximação. – Estou fazendo um doutorado em egiptologia.

   — Ah, quanta coincidência. – tentou ser simpática.

   — Não é, nós dois historiadores de povos antigos de uma mesma região. – sorriu. – Eu acho que poderia haver outra coincidência esta noite, você poderia sair para jantar comigo. – a expressão galanteadora tomou conta da face do homem. – Meu nome é Giordano. – concluiu estendendo a mão para cumprimentá-la.

LINHAGEM [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora