VI

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"Na história humana, o desejo de vingança e o desejo de recompensa têm sido intimamente relacionados." - John MacCarthy.

Antigo Egito, 2526 a.C

   Ele tinha conseguido.

   Como sempre poderia contar vitória e se vangloriar do próprio poder, afinal que outro homem poderia dizer que fazia acordo com deuses e demônios. Nem o próprio imperador era capaz de tamanha proeza.

   "Até porque o Faraó não passava de um deus de fantasia, que os tolos seguem por pura ilusão." – pensou ele.

    Ainda que o preço a pagar pela volta da sua juventude fosse cara, ele daria um jeito de sobressair a dívida. Já tinha conseguido uma negociação com Sehkmet, a deusa da justiça e saúde. Fazia acordos com Apófis o demônio das serpente e da escuridão, o que seria impossível para ele? O ego envaidecia a consciência do homem, que trocou sua alma pela vitalidade.

   A grande poderosa tinha sido assertiva, quando conversaram no limbo.

   — " Vou lhe dar juventude, mas você me dará sua alma – ela disse encarando-o com desprezo. - tenho uma pendência com Set, ele me deu algo e agora lhe devo um pagamento, a alma de um servo será o suficiente. Mas saiba que assim que concordar com isso, ao final de sua vida sua alma será devorada pelos demônios da inveja e da traição, do deus do caos. Você vai padecer em dor e solidão pela eternidade. Tem certeza que é isso que quer? A miséria eterna simplesmente, pela juventude para assistir uma vingança? – questionou."

   Ele disse sim sem hesitar.

   Não importava o futuro, só o presente. E no presente, Queóps e toda sua prole tinha que arcar com as consequências do atos que haviam causado. O bruxo ainda lembrava do dia que teve a esposa arrancada de casa, carregada pela guarda do Faraó. Danúbia era uma mulher de corpo farto, olhos vigorosos e mãos carinhosas, tinha sido prometida ao pescador desde o início de sua infância.

    A luxúria do imperador entretanto, tirou a mulher da própria família, os dois tinham se casado há pouco tempo, planejavam ter filhos. Filhos que nunca nasceram, nem tampouco foram concebidos. Queóps a viu nas ruas, quando ainda não era o rei, ele estava caminhando em caravana no centro comercial da cidade. Danúbia estava vendendo a pequena colheita do campo e os poucos peixes pescados pelo marido, até que o membro da dinastia parou e exigiu que ela fosse colocada como cortesã no palácio.

   O marido correu assim que soube o que havia acontecido, foi até o palácio e exigiu ser atendido. Em resposta à heresia teve as pernas quebradas pelos soldados reais, o Príncipe foi assistir pessoalmente a tortura que o pescador sofreu. O bruxo lembrava da cara de deleite de Quéops, a tirania já estampava sua face antes mesmo dele assumir o reinado.

   Mas isso seria apenas temporário, jurou vingança matou o Madu pescador, aproveitou a experiência que tinha tido com Sehkmet e buscou aprender magia das sombras. Foram anos de viagem pela Mesopotâmia e por toda a Crescente fértil, descobriu os lugares mais sombrios do mundo. Descobriu como o ódio criar um campo fértil para a crueldade e falta de escrúpulos, ele vendeu sua alma mais de uma vez. Não existia mais humanidade naquele homem.

    Assim que retornou ao Egito, soube que a esposa tinha morrido, mas antes ela tinha concebido uma criança bastarda, que foi acolhida por componeses do sul. Ele buscou a menina por semanas, e quando a encontrou estava certo de que ela era filha de Danúbia. Entretanto, ele viu claramente que a criança tinha sangue de estrangeiro, ou seja, em algum momento Danúbia tinha sido expulsa do palácio e colocada como uma prostituta nas ruas, seus privilégios medíocres da vida palaciana foram retirados. O rancor encheu ainda mais aquele homem, o Faraó não tinha roubado apenas ela do marido, mas arrancou cada milésimo dignidade.

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