CAPÍTULO XXII

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Boa leitura!

Sentia como se o estivessem encurralando. Dava pulos, sempre assustado ao menor barulho. Estremecia com frequência e, ao que parecia, sem motivo aparente. Sempre que saía às ruas, tinha a estranha e incômoda sensação de que alguém o observava, seguia, de que alguém apenas esperava para agarrá-lo num momento em que se encontrasse sozinho.

O, pesado e tenso, Gilbert Lakid levantara-se de um salto da mesa em que comia. Os cabelos de sua nuca se arrepiaram. Deu alguns passos nervosos pelo apartamento alugado, simples e pobre, em que vivia sozinho. O velho prédio em que ficava estava localizado numa rua, quase deserta, no bairro mais distante e mal frequentado de Washington. Esse era mais um dos inúmeros endereços que tivera nos últimos anos. Mantivera-se assim, mudando a toda hora de moradia, vagando de cidade em cidade, conseguindo empregos ruins que serviam apenas para que sobrevivesse. Fazia pouquíssimos amigos e vivia escondendo-se de demônios que jurava que o perseguiam.

Ficou parado por longos momentos atrás da porta, ouvindo, atento, esperando. Por fim, decidiu abri-la e, com muito cuidado, olhou para fora, para ambos os lados do corredor imundo, empoeirado. Era como se esperasse ver alguma figura espreitando nas sombras. Um gato preto, com olhos brilhantes, assustado com a aparição repentina de Lakid, assoprou e saiu correndo, pulando por sobre as latas de lixo que ainda não tinham sido recolhidas. O conteúdo delas se espalhou pelo chão, chegando até a porta do antigo carcereiro, fazendo-o praguejar. Bateu-a, trancando-a e voltando a se sentar à mesa para terminar sua parca refeição.

Inquieto, fitou o envelope que deixara junto ao prato e, de boca cheia, pegou-o, abrindo-o devagar. O selo era inglês. A data no carimbo, março de 1881. Lakid retirou a carta de dentro do envelope e passou a lê-la pela quarta vez consecutiva, desde que a missiva chegara naquela manhã:

Caro Gilbert,

Obrigado por ter me enviado um pouco de dinheiro. Estou muito grato pela ajuda que está me dando, visto que ainda continuo desempregado e numa situação tenebrosa. Quero avisá-lo de que deve continuar sendo cuidadoso. Jeon foi o responsável por minha ruína, e ele irá atrás de você também, ouça o que lhe digo! O homem é esperto e não desiste! Além do mais, tem um grupo de funcionários trabalhando para ele, fazendo tudo o que manda, sem contestar.

E agora Jeon Jungkook atende por outro nome. Não faço a menor ideia de qual seja, porém, você deve se lembrar de que uma das qualidades que quase todo o mundo tem, por causa da consciência, é a piedade. Pois saiba que Jeon já não sabe o que essa palavra quer dizer. Tornou-se um camarada frio e calculista, disposto apenas a se vingar. Portanto, cuide-se, meu velho. Muito cuidado!

Com apreço,

Jeremiah Tigart.

Lakid tornou a dobrar o papel e recolocou-o no envelope, pensativo. Mantivera contato com Tigart durante todos esses anos. O ex-major do Exército era o único amigo verdadeiro que Lakid possuía, e costumava mandar qualquer dinheiro que lhe sobrasse para o antigo chefe.

Colocou uma caneca de café frio sobre o envelope, levantou-se e deu alguns passos pelo cômodo mal iluminado, sentindo uma inquietação crescente. Uma premonição terrível o afligia. Algo de muito ruim iria lhe acontecer. E a missiva de Tigart reforçara tal sensação. Meneou a cabeça, respirando fundo, sabendo que tinha de seguir em frente, não importava o que lhe acontecesse. Foi até a parte que lhe servia de cozinha e abriu um dos armários, retirando dali uma garrafa vazia que já contivera conhaque. Agora, só restavam algumas gotas preciosas. Lakid murmurou um palavrão e bebeu o que restava.

Aborrecido por não ter mais nenhuma bebida em casa, lançou a garrafa contra a parede, espatifando-a em mil pedaços. Descalço, usando apenas as surradas roupas de baixo, soltou outra imprecação quando, ao dar um passo, seu dedão esquerdo pisou num dos cacos e uma mancha enorme de sangue logo apareceu sobre sua pele. Foi, mancando, até a cama, onde se sentou, limpando o sangue com a ponta do cobertor. Deitou-se, então, dobrando os braços sob a cabeça, tentando adormecer. Mas não conseguiu. Decidiu pegar um charuto que deixara sobre a mesa-de-cabeceira e lembrou-se: todos os charutos haviam acabado. Fumara o último antes do detestável jantar que acabara de comer. Não havia nada para beber, nada para fumar.

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