Capítulo VI - Culpa

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O dia então raiou, mas eu não acordei, pois eu nem mesmo havia dormido. Não consegui fazer com que meus pensamentos se aquietassem naquela noite, tudo me fazia lembrar aquele garoto de expressão espantada na loja de conveniência. Ele parecia tão assustado, com tanto medo de algo que poderia lhe acontecer, fiquei pensando se eu havia tratado mal um garoto que poderia estar morto naquela manhã, um garoto que só precisava de alguém ao seu lado, mas só era maltratado, e eu teria me tornado mais um dos que o trataram daquela forma.

Levantei e mais uma vez, repeti o mesmo que fazia todo dia, algo que se alguém de fora olhasse, diria que é um ato ensaiado. Levanto, calço os chinelos, abro a janela, sinto a brisa da manhã, me encaro no espelho do banheiro, tomo um banho quente, visto-me com meu uniforme, desço para a sala. Acho que até eu acreditaria que eu ensaiei essa monotonia.

— Tenha um bom dia Kookie. — Disse tia Jung de boca cheia, enquanto eu saia para a escola.

— Você também tia Jung. — Respondo a mesma e vou até a garagem, pegando a bicicleta e seguindo meu caminho.

Naquele dia, eu não consegui prestar atenção em todas as coisas que eu prestava normalmente, minha mente ocupada por aquele misterioso garoto de roupas negras e cabelo vermelho não me deixaram reparar nas coisas inúteis no meu trajeto.

Como era de se esperar, também mal consegui me concentrar em minhas aulas, eu mal podia escutar o que os professores falavam, era como se todos os meus sentidos estivessem voltados para dentro de mim, para minhas memorias da noite passada. O que eu mais queria, era vê-lo novamente, e me desculpar por ter sido grosso com ele. Eu sentia que eu devia isso aquele rapaz, que mesmo não tendo feito mal algum a mim ou a ajumma, nós o tratamos indiferente, e eu não conseguia manter a minha consciência tranquila por isso.

...

— Você parece cansado hoje rapaz. — Falou a ajumma, passando a mão em minha bochecha esquerda.

— Eu só não dormi muito bem noite passada. — Respondi.

— Tem problemas de insônia? Conheço um chá ótimo para isso.

— Adoraria a receita. — Falo e sorrio de canto.

— Bem, só espero que não durma na loja.

— Não se preocupe ahjumma, pode confiar em mim. — Falo em tom confiante.

A senhora logo sai da loja, seguindo seu caminho a passos lentos, sua postura era um tanto engraçada, meio curvada, ela usava sempre uma sombrinha amarela para apoiar-se quando saía pelas ruas, talvez sua peculiaridade tivesse haver com aquele objeto amarelado, que mesmo em dias claros e limpos, ela não saía sem ele ao seu lado.

As horas passaram, e eu passei a ficar inquieto, o sono que eu havia esperado ansiosamente na noite passada, veio aparecer naquele momento, e eu não poderia dormir estando sozinho naquela loja. Levantei várias vezes do caixa e fui até o lado de fora da lojinha, chequei a validade dos produtos, percorri os corredores, verifiquei o dinheiro que havia no caixa. Métodos esses que achei que me fariam permanecer acordado e ativo, estava enganado.

Fechei um pouco meus olhos enquanto estava sentado atrás do balcão, meus olhos ardiam e precisavam de um descanso, mesmo sendo curto. A sensação que senti, era como se pessoas empurrassem minha cabeça em direção a superfície acinzentada daquele balcão, e quanto mais eu abaixava, mais pesada minha cabeça se tornava. Não pude resistir ao cochilo.

— Hey.

Abro meus olhos num pulo involuntário, uma voz um tanto suave me acordara. Temi levantar meus olhos e encontrar a ahjumma na minha frente, contando-me o quão irresponsável fui e que eu estava demitido no meu segundo dia de emprego. Mas, enquanto lentamente erguia a cabeça, fui notando que a silhueta era masculina, o que me acalmou um pouco, até que eu chegasse ao rosto da entidade defronte a mim, e me deparasse com o garoto de feição assustada da noite passada.

— Oh... — Foi o único som que consegui emitir naquela hora.

O rapaz abaixou seu rosto e tirou o dinheiro de seu bolso. Ele levava o mesmo que levara no dia anterior.

— 4,390 wons. Certo? — Disse o mesmo com o dinheiro em sua mão. Eu queria falar tanta coisa, que nada saía.

— Uhm... — Peguei o dinheiro de sua mão e guardei no caixa, depois, coloquei seus produtos em uma sacola e a entreguei a ele. Ele voltou-se para a porta, mas então meus pensamentos se acalmaram e eu consegui pensar em algo para falar.

— Ei... Você... — Falei pausadamente, enquanto o rapaz virou seu rosto para mim. — Eu peço desculpas pelo modo que lhe tratamos na noite passada. — Curvo-me um pouco esperando ouvir uma resposta, mas o único som que ouço é o pequeno sino ao lado da porta, que tilintava toda vez que a porta era aberta. E quanto levantei a vista, pude ser sua silhueta correndo para o outro lado da rua e sumindo no meio dos carros.

Bem, tendo resposta ou não, pelo menos a culpa que eu sentia foi-se, e agora eu o esqueceria e voltaria a viver em paz, bem, pelo menos no que eu chamo de paz agora.

...

Após ajudar a ahjumma com a limpeza da loja e fechar a mesma, pego minha bicicleta e vou pedalando a velocidade moderada. O ar especialmente frio daquela noite arrepiavam meus braços desnudos, então pedalei mais rápido na esperança de chegar em casa logo. Estava me sentindo mais tranquilo, mas aquele garoto ainda não havia saído de meus pensamentos. Eu sentia a curiosidade de saber sua história e qual seria o causador de seu semblante sempre assustado e desconfiado, sempre esperando o pior, sempre...

Meus pensamentos são interrompidos quando, em um cruzamento, um rapaz corre em minha direção, chocando-se de frente com a minha bicicleta. Puxei o freio errado e voei por cima da bicicleta, e ao atingir o chão, apaguei.

— Hey, você está bem? — Ouvi uma voz ao longe, enquanto meus sentidos voltavam e eu abria meus olhos lentamente, passando a sentir as dores dos locais atingidos, podia sentir uma leve dor em meu pulso esquerdo e meu tornozelo direito, além de ter alguns arranhões espalhados pelo corpo e a dor de cabeça devido ao impacto no chão.

— Estou bem... Mas você deveria tomar mais... Você?

Peculiares | JiKookOnde histórias criam vida. Descubra agora