A trégua

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  Em casa eu resolvi que ficaria quieta pelo resto do dia

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  Em casa eu resolvi que ficaria quieta pelo resto do dia. Ou da semana... Ou da vida inteira, quem sabe? Tinha uma coisa no meu nariz para mantê-lo no lugar e eu estava sonolenta por causa dos analgésicos que tomei.

Me deitei no sofá maior me embolando na coberta e liguei a TV em um desenho animado. Me aborrece um pouco a Bruna dando uma de mãezona em cima de mim, agora, por exemplo, ela está na cozinha com dona Maria e acha que eu não reparei que se levanta de dez em dez minutos para olhar se está tudo bem comigo.
 
Juan também está mais sociável. Digamos que demos uma trégua na nossa guerra silenciosa. Eu entendo que o que aconteceu foi eu que fiz, mas, apesar dele estar um anjinho ultimamente, eu ainda estou irritada com ele. Afinal, foi ele que me levou naquele ferro velho, foi ele que me ofereceu bebida alcoólica e também foi ele que me disse pra sair quebrando as coisas. Então, por mais empática que eu tente ser, eu ainda o culpo muito.

-Que milagre ver você quieta. -Juan chega na sala e se joga no outro sofá. -Achei que ia estar enfurnada naquele notebook como sempre.

Eu lhe lanço um olhar feio o que o faz dar um sorrisinho de lado. Era estranho admitir, mas ele ficava bonito assim, em seu habitat natural, largado no sofá. Seu braço se apoiava no encosto enquanto ele mexia distraidamente no cabelo.

-Acho que eu posso me dar um atestado de alguns dias. É difícil trabalhar sentindo meu nariz latejando desse jeito.

-O que? Aquilo era trabalho? -ele pergunta tirando sarro.

-Você achou que eu vivia vadiando que nem você? -retruco.

-Assim você me magoa! -colocando uma mão no peito, Juan finge estar magoado. -Eu estou de férias, princesa.

-Achei que você tinha era trancado a faculdade... -eu o provoco.

-Então, em que você tanto trabalha nesse notebook? -Juan muda de assunto descaradamente.

-Eu faço traduções em geral, mas geralmente trabalho para redes de stream.

-Sério? Tipo Netflix? -ele se ajeita no sofá, agora parecendo mais atento, parece que meu trabalho lhe interessa um pouco.

-É. -digo. -Eu faço alguns trabalhos para eles, paga até bem.

-E você assiste as séries antes de todo mundo? E filmes também?

-Como você acha que eu faço pra traduzir, gênio? É claro que eu tenho que assistir! Ás vezes são uns documentários chatos, mas tudo bem...

-UAU! -ele relaxa no sofá novamente, olhando o teto pensativo. -Nunca vi gente ganhar dinheiro mais fácil!

Eu não penso duas vezes antes de tacar a primeira coisa que vejo nele, que por acaso era o controle da TV. Ele fica lá, com aquela cara de ridículo me olhando indignado.

-Fácil é sua... -eu me controlo antes de dizer "mãe", porque afinal eu gosto muito de dona Maria. Achego o cobertor mais no meu rosto fervendo de raiva. -Da trabalho traduzir, se você não sabe fazer o que eu faço, fica quieto antes de sair falando merda por ai.

-Tá bom, tá bom, já entendi que ficou nervosinha. 

Ele se vira para a televisão prestando atenção ao desenho. Eu resolvo fazer o mesmo, mas, apesar de interessante, não consigo me concentrar. Só consigo pensar no tanto que esse loiro oxigenado é um babaca. Como pode esse garoto ter sido educado por dona Maria, que é um amor de pessoa? Desmerecendo o trabalho dos outros assim... QUE RAIVA QUE RAIVA QUE RAIVA. 

Riso. Escuto um riso no outro sofá e mexo a cabeça um pouco para olhar. Juan estava rindo de uma piadinha no desenho. Era um movimento natural, uma lufada de ar que saia do nariz fazendo seu peito se mover um pouquinho, quase imperceptível. Como podia um movimento tão pequeno, um som tão baixinho me incomodar tanto?

-Idiota. -resmungo tão baixinho que ele não escuta.

Com a cabeça pulando de um assunto para outro acabo deixando-me distrair pelo desenho e quando percebo o riso sai uníssono quando o personagem diz algo engraçado. Eu olho pra ele novamente, perdendo a graça em tudo. Era inacreditável, mas havíamos concordado com alguma coisa. O desenho era bom e isso me incomodava muito.

 O desenho era bom e isso me incomodava muito

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