Rascunhos

Mortal Kombat

  Logo, no decorrer da semana, se estabeleceu uma nova rotina na casa. Pelas manhãs todos tomavam café juntos, era tão tranquilo que chegava a ser cômico. Em seguida eu me sentava no sofá para tentar adiantar algo do meu trabalho, dona Maria geralmente ia a feira nesse horário, Bruna tirava sua soneca de antes do almoço, Juliano ia trabalhar e Juan... bom, para falar verdade eu não faço ideia sobre o que Juan faz na maior parte do tempo que ele está longe. 

Mas é fato que no almoço todos se reuniam de novo, geralmente Juliano conta algum contrariamento do trabalho, as vezes é engraçado, as vezes não.Depois a família se espalha e eu ajudo Bruna com alguns preparativos da festa de bebê, onde a gente conversa horas e horas sobre como vai ser depois da criança nascer.

E então, finalmente, me sento para assistir ao desenho que passa de tarde junto com Juan, que sempre chega na hora certa para assistir. De vez em quando eu ou ele fazemos pipoca. Mas esses momentos são sempre assim: eu e ele, cada um em um sofá, em silencio, exceto por alguns risos provocados pelo desenho.

Hoje não tem pipoca. Bruna me deixou super ocupada preparando os enfeites de mesa e Juan chegou na hora em que começou a passar a abertura na TV.  O episodio de hoje é um pouco chato e já havia passado outra vez nessa semana, então decido não assistir e ir tomar meu banho mais cedo.

Quando voltei para a sala Juan também havia desistido de assistir ao desenho e desenrolava um console de playstation 2, enquanto a tela mudava de azul para o preto,fazendo aquele barulho característico do jogo.

-Esse negócio não é velho? Ouvi dizer que já estão lançando o play 5... -falo me deitando no sofá e pegando meu celular para olhar minhas redes sociais.

-Eu gosto do 2, mesmo a imagem não sendo lá essas coisas. E o jogo travando. E as vezes dando problema pra iniciar. -ele se levanta, dá uns tapinhas no aparelho, desliga e liga de novo até o jogo conseguir rodar. -Fazer o quê! Ele tem uns dos melhores jogos.

Eu tento deixa-lo de lado e não prestar mais atenção, mas acontece que eu reconheço o jogo que está na TV, é Mortal Kombat Shaolin Monks. Eu costumava joga-lo com meus colegas de ensino médio, bom, na maior parte das vezes eu ficava assistindo, mas quando fazíamos reuniões de trabalho sempre acabava em disputa de ps2.

-Não é possível alguém conseguir ser tão ruim desse jeito. -digo depois que ele morre pela terceira vez tentando pular de uma pilastra. 

-Ah é, sabichona, tenta fazer melhor. -ele aponta o controle pra mim e eu o pego.

Eu nunca fui muito boa nas partes de luta, não tenho técnica nenhuma, só aperto os botões desesperada e espero acertar alguém, mas quando se trata de pulos, escaladas e essas coisas, eu sou ótima. Por isso não é nenhuma surpresa pra mim quando eu consigo passar de uma pilastra para a outra sem nenhum problema.

Juan me olha admirado quando eu devolvo o console para ele. Dá vontade de rir da cara de abobado dele, aposto que ele nunca imaginou que eu sabia jogar. 

-Dá pra colocar de dois, quer jogar? -ele pergunta e agora quem está surpresa sou eu.

-Tem outro controle? -questiono e ele faz que sim. -Então arruma ai, vou fazer a pipoca.

Vou correndo até a cozinha, pegando o saquinho e ligando o microondas. Se a uma semana atrás alguém me falasse que eu estaria animada para jogar videogame com Juan eu chamaria essa pessoa de doida. Talvez seja o tédio de estar nessa cidade pacata, talvez seja a nostalgia de não jogar esse jogo há anos ou talvez seja apenas o garoto loiro e irritante sentado no sofá da sala.