Não sei se é verdade, se existe alguma explicação científica ou religiosa, mas dizem que, antes da morte, uma pessoa muito enferma apresenta algum nível de melhora, enchendo os corações de seus familiares e amigos de esperança. A minha teoria era que isso acontecia para que as pessoas pudessem se despedir de uma forma mais digna e com menos dor no coração, a qual cedia um pouco de espaço para a esperança e, consequentemente, tornava todo o contexto mais fácil.
Mais tarde, descobri que essa teoria podia ser análoga para outras explicações da vida também. E aquele ditado nunca fez tanto sentido: "Depois de toda calmaria vem uma tempestade". Ou seria o contrário? Tanto faz, pois eu acreditava que o inverso também era válido.
Nem todos os momentos de glória precisam anteceder um momento ruim, como a morte, por exemplo, mas no meu caso, precisei viver dias de extrema felicidade antes do meu mundo ruir. Depois disso, a minha impressão de como a vida funcionava transformou-se. Sempre que coisas boas aconteciam, passei a esperar pelas ruins também.
Esse não era um jeito pessimista de pensar. Eu preferia encarar como um jeito precavido de lidar com a vida e com as pessoas. É claro que eu sempre esperava pelas coisas boas também, mas depois daquele fatídico dia, nada mais me surpreendia ou desapontava tanto quanto o sentimento que me preencheu o peito quando encarei o ódio no olhar da pessoa que havia prometido a Deus me amar e me proteger sob quaisquer circunstâncias.
Aquilo doeu, e doeu muito!
Muito mais do que palavras e agressões poderiam doer em meu corpo, o sentimento de ódio doeu em meu coração.
Nunca foi fácil lidar com rejeição, agressão física ou verbal, mas lidar com o ódio intrínseco no olhar de sua mãe tornava todo o resto facilmente suportável.
Ser xingada na rua por várias vezes, agredida fisicamente mais de uma vez e desrespeitada até mesmo por alguns pacientes... nada disso superou a dor de quando senti a força da repulsa que minha mãe exprimiu sobre mim em forma de ofensas, tapas e... ódio. Eu jamais saberia lidar com isso... as pessoas não precisavam ter que lidar com isso.
Depois que me despedi de Clara, entrei em casa e fui recebida por ninguém. A minha sorte era que a minha chave de casa estava sempre junto a mim. Havia um bilhete de minha mãe avisando que voltaria logo e meu pai estava no trabalho, para variar.
Corri para meu quarto, arremessei minha mala em direção a algum canto e me joguei na cama para enviar as fotos que minha namorada havia solicitado. Escolhi as mais belas e fiquei visualizando as demais. Quando percebi que havia passado tempo demais perdida nas minhas memórias registradas em fotografias, abandonei meu celular sobre a escrivaninha abarrotada de livros e corri para o banheiro, a fim de evitar uma guerra com minha mãe, antes que ela chegasse e reclamasse que eu não havia tomado banho após chegar da rua. Desfazer a mala e arrumar tudo rapidamente também era necessário para o zelo da minha paz.
Eu conseguia compreender esse jeito cuidadoso demais e esporrento dela, pois eu tinha certeza de que quando eu tivesse meus próprios filhos, agiria do mesmo jeito. Mas havia algo em minha mãe com o que eu jamais me identificaria. Eu havia prometido para mim mesma, com todas as forças, a partir desse dia, que sempre apoiaria meus filhos, na saúde, na tristeza... em todas as decisões de suas vidas, desde que não fizessem mal a ninguém.
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Qualquer Semelhança é Uma Mera Coincidência
Ficção AdolescenteEssa é a história de muitas primeiras vezes da minha vida, mas não é só sobre mim que vou falar. Na verdade, é sim. Mas vou dividir o enredo dessa história com uma outra pessoa, a qual vocês vão logo identificar por seu "talentoso" humor e carisma...