011|sɪɴᴀ

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Chego cedo ao metrô e estou insegura. Muito insegura. Insegura podia facilmente ser meu nome do meio.
Saio do vagão ao chegar à estação Consolação, que é meu destino de quase todos os dias. Subo as escadas rolantes e balanço o pé, incessantemente, ansiosa. Alcanço a avenida — que já está lotada — e um vento levanta ainda mais meus cabelos. A saia hippie (apelido carinhoso dado pela minha mãe, que quis queimá-la) cola nas minhas pernas e preciso puxá-la para frente para não pisar nela e cair.
Ser atropelada aqui já foi demais, não preciso de mais essa.
Sigo a avenida tentando desviar de turistas, moradores e executivos lentos e outros mais apressados, vendedores ambulantes e alguns moradores de rua, carrinhos de pipoca e outras coisas que permeiam o passeio. Estou apressada mesmo sem ter horário: não sei se Noah está lá, se trabalha hoje... Não sei nada. Só tenho o convite.
"Livraria Cultura, então."
E lá vou eu.
O Conjunto Nacional é, como diz o nome, um conjunto de prédios com apartamentos, galerias comerciais, serviços e opções de lazer que fica em uma quadra delimitada entre a Avenida Paulista e a Rua Augusta, duas vias movimentadas e importantes da cidade. Fica também em frente ao Shopping Center 3, que é onde entro.
Desço um lance de escadas rolantes e vejo o Starbucks à minha frente. Entro na pequena fila. Quando chega a minha vez, digo ao atendente:
— Boa tarde... quero um Frappuccino médio, e um chocolate também médio, por favor.
Ele digita algumas coisas na tecla do computador e me diz para aguardar um pouco mais a frente. Penso que já passei por essas mesmas etapas inúmeras vezes.
Então, me perguntam "os nomes" para serem escritos no copo.
— Noah — respondo, esperando o atendente anotar, mas ele dá um riso e olha para mim. Eu o encaro sem entender.
— O que foi? — pergunto.
— Rei Noah? Aquele de Madagascar? O outro é para o Mork?
Continuo encarando o homem, incrédula. Não acredito que ele está tirando sarro do nome de dois clientes. Quer dizer, sou uma cliente só, mas são dois pedidos e meio que dá na mesma.
Ele ainda é capaz de repassar a piada ao homem no caixa, e os dois gargalham como se fosse a coisa mais engraçada no mundo. O que há de errado em se chamar Noah? É Noan em sotaque francês!
Claro que conheço os personagens, afinal sou uma estudante de cinema e Madagascar é uma animação pelo menos conhecida. Talvez seja a favorita do meu primo de oito anos, e talvez eu até goste dos dois personagens de tanto ver o filme enquanto cuido dele, dando uma de babá, mas isso não vem ao caso.
— Isso — respondo impaciente. — Noah e Mork. Noah no chocolate e Mork no Frappuccino.
Dou o sorriso mais falso de que sou capaz, pego as bebidas e saio depressa dali.
Espero que Noah não me odeie por isso.
Não deixo de sorrir imaginando a cara dele ao ler. Talvez não tenha sido uma má ideia.

....

Enquanto subo de volta ao nível da Paulista, percebo que o shopping parece especialmente cheio — mais que o comum — e preciso fazer um esforço colossal para atravessar por todas aquelas pessoas sem ser atropelada por um cidadão mais uma vez. É quase engraçado. A coisa de ter sido atropelada e agora estar indo atrás do cara que me atropelou. Parece mais sério do que de fato foi, mas não menos marcante. E engraçado.
É, de fato, é engraçado.
Atravesso a Paulista depois que o sinal se fecha e entro no Conjunto Nacional. Nunca vou entender aquele piso de pedras portuguesas, sempre achei que só fossem usadas ao ar livre. Mesmo assim, continuo caminhando (agora, mais devagar, quase como uma pessoa normal) para dentro da galeria. Então, começo a olhar as vitrines como se eu fosse uma compradora casual, mas, na verdade, só quero ver meu reflexo.
Hoje me arrumei para parecer que não me arrumei tanto. Não quero parecer arrumada demais, como se eu estivesse louca para vê-lo e para impressioná-lo, porém, também não quero parecer que estou me lixando. Acho que estou entre as duas coisas. Pendendo mais para o lado que quer muito vê-lo. Sem a parte do "louca", estou tranquila. E sobre impressioná-lo, isso não é tarefa minha. Ele que se encarregue de se impressionar. Ele fez um péssimo trabalho na vez dele, me impressionando ao me atingir com uma bicicleta.
Mais uma vez, estou rindo só de lembrar.
Meu batom roxo ainda está na boca, ótimo.
Minha saia hippie-superflorida também está no lugar.
A camiseta roxa e os colares também estão ok.
Minha tentativa de black power também me agrada, um pouco. Ajeito o laço do lenço no cabelo, respiro fundo e entro no pequeno corredor que deságua na imensidão da livraria.

 Ajeito o laço do lenço no cabelo, respiro fundo e entro no pequeno corredor que deságua na imensidão da livraria

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Xoxo

𝐀𝐒 𝐋𝐔𝐙𝐄𝐒 𝐌𝐀𝐈𝐒 𝐁𝐑𝐈𝐋𝐇𝐀𝐍𝐓𝐄𝐒 - 𝐍𝐎𝐀𝐑𝐓Onde histórias criam vida. Descubra agora