045|ɴᴏᴀʜ

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Antes de eu acordar, vejo um filme na minha cabeça.
Não um dos filmes que Sina costumava ver comigo. Um filme da minha própria vida.
Começou com um Noah de cinco anos, no Parque Ibirapuera, correndo para todos os lados com uma camisa na mão. A camisa era do meu pai, mas, para mim, era uma bandeira da nossa ilha. E éramos piratas.
Sempre gostei de piratas, e a liberdade que tinham no mar.
Depois de muito correr, voltei para a toalha estendida sob uma árvore que fazia sombra para meus pais, que ainda estavam juntos. Minha mãe estava deitada sobre a barriga do meu pai, que acarinhava os cabelos loiros dela. Ambos sorriram quando eu me aproximei, pegando uma maçã e abocanhando-a como se o mundo fosse acabar.
" Noah, querido, não coloque tanta comida na boca... Já te ensinei", minha mãe disse num tom doce.
"Deixe o menino, Wendy... Estamos apenas nós três aqui, ninguém está reparando..."
Ela pareceu contrariada, mas voltou a ficar em silêncio, enquanto meu pai começava assobiar uma música que ele gostava.
Depois, caminhei até eles e me joguei no chão, com a cabeça sobre a barriga da minha mãe como ela estava no meu pai. Então, reparei nas árvores verdes que balançavam sobre nós, e a luz do sol que tentava entrar pelos espaços entre as folhas como areia tenta passar por uma peneira, ou coisa parecida.
De alguma forma, os feixes de luz passando por ali eram bonitos, compridos, amarelos.
Tudo estava bom.
Então, eu me lembro de quando formos ao Rio no ano seguinte... Enquanto minha mãe deveria cuidar de mim no mar, foi atender a uma ligação no celular. Antes que eu, ou ela, pudesse notar, as ondas foram ficando mais altas e fortes e o chão parecia ficar cada vez mais fundo... A orla da praia ficando menor, os prédios, pequenos e as pessoas, borrões, quando as ondas já não quebravam mais, apenas tentavam me levar para longe.
Sei que eu deveria ter ficado com medo (e talvez eu tenha mesmo ficado), mas, ainda assim, eu não tentei nadar ou gritar nem nada parecido. Eu só fechei meus olhos, enchi os pulmões de ar e deixei que eles me ajudassem a boiar. Talvez a sorte, ou Deus, ou alguma coisa, me leve de volta.
Não sei quanto tempo fiquei à deriva, mas, no processo de expirar devagar e inspirar profundamente e prender o ar, também era o que menos importava. Os piratas devem fazer isso quando caíam no mar, eles sobrevivem. Aja como um pirata.
Então, as ondas começaram a se agitar mais e mais, e eu sabia que devia estar me aproximando da arrebentação. Abri os olhos e vi que os prédios estavam maiores e as pessoas, mais perto. Comecei a nadar.
Acho que foi a primeira vez que me senti confortável no caos. E eu nem imaginava como eu precisaria aprender cada vez mais a lidar com ele.
Depois, em um único rugido dentro da minha mente, vi todos os flashes de brigas, gritos, raiva e tristeza, malas na porta, e o vazio invisível deixando primeiro pela minha mãe, depois pelo meu pai...
Finalmente, acorda num quarto completamente branco que não é o meu, com borrões em alguns lugares. Aos poucos, as coisas vão tomando outras cores e formatos. Vejo a Sabi, que está pálida, com o Pepe. Uma cortina azul e o restante branco hospital, como eu imaginava.
— Apaguei, né? — pergunto calmamente, ainda me sentindo um pouco grogue pelos remédios.
— Sim — Sabi confirma, e percebo os olhos do Pepe em mim.
— Desculpa — nem sei por quê.
— Você não precisa se desculpar, cara — Pepe fala com um tom agradável. — Ficamos assustados com você. Quer dizer, a gente se preocupa, sabe? — ele conserta ao perceber o olhar da Sabi, mas dou de ombros.
— Quando vou poder sair daqui? — pergunto a Sabi, que acena com a cabeça.
— Não sei... Não sabíamos quando você ia acordar. Você ficou apagado por um bom tempo e, bom, você agora precisa de um tratamento sério.
— Eu sei — confesso, mais para mim do que para ela. — Eu queria não precisar.
— Se você fizer tudo certo, dura menos tempo. Você sabe, Noahzito. Mas você não pode mais ficar por conta própria e continuar apagando desse jeito — percebo os olhos dela se encherem de lágrimas. — Tenho medo de um dia eu não estar por perto. Nem sei o que pode acontecer — então, ela explode em um choro doloroso e Pepe a abraça quase fraternalmente. Ela se acalma aos poucos e se volta para mim. — Você vai sair daqui esses dias, vai fazer o seu tratamento e vai superar isso tudo, ok?
Ela se aproxima da cama e aperta minha mão, como se quisesse me dar um pouco de força.
— Ok.
Peço a Sabi que pegue meu celular e os fones de ouvido. Procuro o álbum da Amy Winehouse que escutei quando apresentei o quarto de música para Sina. Agora, escuta o disco novamente e acredito na Amy quando ela diz que "o amor é um jogo de azar".

Como eu queria nunca ter jogado
Ah, que estrago nós fizemos
E agora o lance final
O amor é um jogo de azar

Como eu queria nunca ter jogadoAh, que estrago nós fizemosE agora o lance finalO amor é um jogo de azar

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E vamos de maratona ✌🏻
Xoxo

𝐀𝐒 𝐋𝐔𝐙𝐄𝐒 𝐌𝐀𝐈𝐒 𝐁𝐑𝐈𝐋𝐇𝐀𝐍𝐓𝐄𝐒 - 𝐍𝐎𝐀𝐑𝐓Onde histórias criam vida. Descubra agora