Eu me jogo na cama me sentindo um pouco mal.
Realmente eu não quero pensar que a minha mãe vai me fazer piorar. De novo, não.
Estico a mão até a gaveta da cômoda ao lado da cama e pego o potinho com os comprimidos. Jogo a pílula na boca e a engulo seca, sentindo a bolinha me raspar a garganta. Fecho os olhos e pressiono a mão na testa, numa tentativa de aliviar os pensamentos.
A noite hoje é fresca, e, de onde estou deitado, consigo ver a lua no céu paulistano. Minguante. É como se ela sorrisse para mim. Espero que seja um presságio feliz. Sorrio com meus próprios pensamentos estúpidos. Rolo na cama por muito tempo, mas não consigo dormir. Parece mais quente do que de fato está, e meu corpo transpira, o que me deixa extremamente incomodado. Pensar que minha mãe está sob o mesmo teto que eu me incomoda de uma forma intensa, e, mesmo que eu queira, não posso simplesmente mandá-la de volta para Paris.
Mais cedo, enquanto a Sabi me ajudava com os machucados e ela fazia café, a situação ficou extremamente desagradável. Sentamos os três na mesinha da sala (que é bem pequena, considerando que, geralmente, é só para mim), muito próximos uns dos outros e sob um silêncio quase ensurdecedor. A Sabi já sabia das histórias envolvendo a mim, minha mãe e nosso péssimo relacionamento, então, ela não deu muita liberdade à minha mãe. Eu não fazia questão alguma de falar com ela. Isso só contribuiu para tornar tudo mais embaraçoso.
Mais tarde, fui arrumar meu quarto para dormir, fazendo um esforço colossal para ignorar minha mãe e fingir que ela não estava ali. A Sabi me ajudou muito na distração. Chegou a perguntar se eu queria que ela passasse a noite comigo, mas achei melhor não. Os pais dela, apesar de confiarem em mim e tudo mais, certamente, implicariam. Além do mais, eu teria que encarar sozinho minha mãe mais cedo ou mais tarde. Eu só esperava que fosse mais tarde. Ou nunca. De qualquer forma, ainda não havia chegado o momento. Trocamos algumas palavras essenciais e, o tempo todo, eu sentia uma hesitação por parte dela, uma inquietude... Reparei que ela sempre abria a boca tentando me dizer algo, mas não dizia nada. Apenas juntava as mãos e começava a esfregá-las, deixando-me ainda mais aflito. Ao ponto de eu não conseguir mais ficar assistindo à cena. Então, eu simplesmente me retirei e fui até o quarto.
Cansado de pensar nela, levanto e pego o celular destruído sobre a bolsa. Apesar de a tela estar completamente trincada, de alguma maneira bizarra, ele ainda funciona. Abro a gaveta e tiro o fone de ouvido de lá, plugo no aparelho e volto para a cama. Deito de maneira a conseguir enxergar o céu, quase com a cabeça para fora da cama na tentativa de ficar sob a janela.
Abro a galeria de músicas no celular e clico no modo aleatório.
A primeira música a tocar é uma que Mari me apresentou: "All You Had To Do Was Stay". Não gosto muito da Taylor Swift, mas quem canta é um tal de Adam Adams. Nunca ouvi nada do cara antes, só que o cover é simplesmente sensacional. É uma versão acústica/ folk da música, e é uma das melhores coisas que já ouvi nos últimos dias.
Enquanto a música soa nos meus ouvidos, eu me lembro da Sina e sorrio. Depois, começo a divagar. Destruí os fones da garota. Quando ela vai à Livraria me encontrar? Será que ela realmente vai? E se eu a machuquei de verdade e ela não quis contar? E se algo mais sério aconteceu depois que fui embora? E se ela me odeia por estar querendo escutar uma música nesse momento e não ter seus fones? Quero revê-la, pedir desculpas de novo e entregar um fone novo para ela.
Menti quando disse que tinha dois. Então, a primeira coisa que fiz logo que ela foi embora foi passar numa loja e comprar um novinho para ela. Sei que eles estão dentro da minha bolsa, prontos para serem entregues, mas temo que eles nunca cheguem às mãos da dona. Espero de coração que ela vá à livraria, que me desculpe e que aceite os fones. E, por mais estranho que pareça, quero vê-la sorrir de novo.....
Acordo com os fones enrolados no meu rosto e o sol queimando minha testa. Meu celular está quase sem bateria e são pouco mais de onze da manhã. Sinto o cheiro de ovo. Mas que... Levanto, coloco meu celular no carregador ao lado da cama e abro a porta do quarto, sendo atingido por um cheiro ainda mais forte de ovo e escutando sons metálicos vindos da cozinha. O nome da Mari morre na minha boca antes que possa ser chamado, quando vejo minha mãe, de pijamas, cabelo solto e pantufas mexendo no fogão. Claro que é ela.
— O que você está fazendo? — pergunto um pouco hostil. Ela me olha como se tivesse descoberto o ouro. Arregala os olhos, sorri, deixa a espátula na panela e vem ao meu encontro com as mãos erguidas, apoiando-as em meu rosto.
— Noah, querido! Bom dia! Maman está fazendo omeletes para o nosso almoço...
—Mãe, são onze horas. — tento me esquivar de todo e qualquer toque dela, sem sucesso. Suas mãos estão no meu cabelo, rosto, ombro, braços. É sufocante.
— Sim, eu não esperava que você fosse acordar agora. Pode fingir que é para o lanche da manhã se preferir. E comprei mel na padaria ali embaixo.
— Pra quê? — pergunto, encarando a embalagem cheia de mel que está sobre a mesa.— Para que o quê? Você adorava mel quando era criança, lembra? Pode colocar na omelete se quiser...
"Quando você era criança." " Pode colocar na omelete se quiser." " Pode fingir que é para o café da manhã se preferir...". O que ela está fazendo?
— O que você está fazendo? — deixo meus pensamentos ecoarem alguma coisa.
— Omeletes, Noah. Já disse. — ela me olha como se fosse óbvio, e tenho vontade de voltar para a cama e não acordar mais.
—Eu não estou falando deles. Estou falando disso, disso tudo. — gesticulo para a cozinha. — Você, aqui, tentando fazer um papel de mãe que nunca fez, preparando omeletes, comprando mel e me deixando comer como se eu precisasse da sua aprovação. Como se cuidar de mim fosse do seu feitio. Como se você alguma vez tivesse desempenhado bem o papel de mãe.
Minhas palavras parecem atingi-la como um tiro, mas não me importo. Na verdade, me importo e isso só me dá mais raiva. Eu não deveria me importar. Eu deveria expulsá-la daqui, mandá-la de volta para Paris e me mudar sem falar o endereço para que ela nunca volte.
Ela me encara, encostada na pia, como se não me reconhecesse. Algo no choque em seu rosto me deixa feliz. Sadicamente feliz.
— Noah, eu não...
Ela parece não saber o que dizer, e eu me sinto grato por isso. Saio da cozinha e me tranco de novo no quarto, com a respiração agitada. Ficar perto dela parece me exigir um esforço sobre-humano, minhas pernas estão quase bambas e estou ofegante. Tem até suor na minha testa, e o único esforço que fiz foi caminhar alguns passos pelo corredor.
Raiva, só pode ser raiva.
Abro o guarda-roupa, tiro outra blusa preta de lá. Dessa vez ela tem listras brancas na horizontal. Pego minha calça jeans favorita só por que é a que está na frente, uma cueca e vou para o banheiro. Eu me tranco lá também e giro a torneira, deixando que a água fria desperte meu corpo, e, ao mesmo tempo, que o acalme.
Preciso ficar calmo.
Não posso perder o controle de novo.Desculpa pelo sumiço 🥺👉🏻👈🏻
Xoxo ✨
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𝐀𝐒 𝐋𝐔𝐙𝐄𝐒 𝐌𝐀𝐈𝐒 𝐁𝐑𝐈𝐋𝐇𝐀𝐍𝐓𝐄𝐒 - 𝐍𝐎𝐀𝐑𝐓
Roman d'amour[CONCLUÍDA] Noah passou por uma fase terrível e seu coração ainda está despedaçado. Agora, ele decidiu viver um dia após o outro, tentando compreender as particularidades dessa cidade enorme que é São Paulo, onde ele vive, mas se sente sozinho. Poré...