047|ɴᴏᴀʜ

1.2K 128 4
                                    

Sou dispensado do hospital no dia seguinte. Agora, os remédios mudaram e vieram com dosagens maiores. E com um terapeuta de brinde. Só que um brinde obrigatório.
Vou me obrigar a ver o tal terapeuta para agradar a Sabi Sei disso.
O apartamento continua bagunçado desde o dia que Sina esteve ali pela última vez: as panelas usadas para fazer pipoca na pia, os copos e tudo sujo no mesmo lugar. Abro a geladeira para pegar água e uma fruta, e vejo algo que não estava ali antes: um envelope com a letra da minha mãe.
Pego o envelope, e tudo o que diz ali é meu nome. "Noah".
Levo o papel até o meu quarto, junto com a maçã que encontrei na geladeira e me jogo na cama, onde Sina e minha mãe estiveram. As duas mulheres responsáveis por habitar e depois destruir meu coração.
Encaro o envelope por quase um minuto, quando sinto um ardor que me força a piscar depressa.
Sei o que é isso.
Lágrimas.
Amasso o envelope e o atiro longe.

....

Passo os próximos três dias assistindo a diversos filmes que encontro num tal de Netflix, um serviço pago com milhares de filmes e séries à disposição. É como uma locadora, só que o pagamento é mensal e os filmes são digitais... Estão todos ali na tela, esperando que você os assista.
Não conhecia essa maravilha até conhecer Sina, que me apresentou a ele. Agora, ele é meu companheiro nas manhãs, tardes e noites de insônia.
Por incrível que pareça, Sabi "obedece" meu pedido de distância por um tempo. Apesar de preocupada comigo, peço que ela saia com o Pepe e se divirta com ele. Sei que não quero estar perto para não ser um peso, por mais que ela possa negar isso mil vezes. Não quero atrapalhar os dois. Eles não merecem.
Acho que alguém tem que ser feliz, afinal.
Não saio de casa: evito a luz do sol. Peço comida por telefone, ou pela internet. Não quero ver nada nem ninguém. Quero ficar na minha cama até que, quem sabe, ela me consuma.
Infelizmente, sei que não posso ficar ali por muito tempo, tenho a primeira consulta com o terapeuta marcada dali a poucas horas. Então, eu me levanto, tomo um banho gelado e, quando volto para o quarto, abro a janela pela primeira vez.
A luz que entra ali é tão forte que por um momento me pergunto se ela pode me cegar. Fecho e a perto os olhos com força. Depois, abro-os aos poucos, e me dou conta do caos que está ao meu redor: caixas de pizza e yakissoba jogadas em todos os cantos, bem como as roupas sujas — que só usei para dormir — , copos, guardanapos e mais lixo. Só de pensar em arrumar aquilo já tenho vontade de voltar para a cama. Deixo a arrumação para mais tarde.
Visto a primeira calça e a primeira blusa que encontro, nem mesmo penteio o cabelo e já saio de casa, sentindo a brisa natural me atingindo pela primeira vez depois de um bom tempo, e sou quase capaz de me sentir vivo novamente.
Quase.
Antigamente, a brisa da Avenida Paulista seria o bastante para me animar ao menos um pouco, e o agito dos carros e das pessoas surtiria certo efeito em mim. Agora, não sou idiota para pensar que isso vai funcionar.
Será preciso muito mais que uma brisa e algumas luzes de faróis vermelhos para me fazer viver de novo.
Sei que estar vivo é bem mais que sentir o sangue pulsar nas veias, bem mais que tragar o cigarro que fumo agora. Mesmo assim, é tudo o que faço e sinto, enquanto caminho pela avenida que conheço como a palma da minha mão, e me leva até o consultório quase em piloto automático.

 Mesmo assim, é tudo o que faço e sinto, enquanto caminho pela avenida que conheço como a palma da minha mão, e me leva até o consultório quase em piloto automático

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

{3/4}
Xoxo

𝐀𝐒 𝐋𝐔𝐙𝐄𝐒 𝐌𝐀𝐈𝐒 𝐁𝐑𝐈𝐋𝐇𝐀𝐍𝐓𝐄𝐒 - 𝐍𝐎𝐀𝐑𝐓Onde histórias criam vida. Descubra agora