Agora que estamos somente eu e Sina, eu me sinto mais leve em ter jogado toda a minha história para fora. Mas o que Sabi disse sobre o pânico faz mais sentido do que eu gostaria que fizesse. Mais tarde vou pesquisar isso no Google, mesmo sem ter mais importância. De toda forma, já estou perdido. Olho para Sina de costas na cozinha, com a cabeça apoiada nos braços, e penso que queria tê-la conhecido antes que eu virasse um problema para mim mesmo. Mas, mesmo naquela época, o que havia aqui para ela conhecer?
— Gostou da pizza? — pergunto, e ela olha pra mim.
— Sim... A melhor que já comi na minha vida, de verdade.
O olhar dela é bondoso e gentil, mas as imagens dela chorando não saem do meu cérebro. Vejo que ainda há pizza na caixa.
— Bom, você aceita mais um pedaço?
— Não, não... Estou satisfeita. Mesmo.
— Tudo bem então. — eu me aproximando e fechando a caixa. — Pensei em aproveitar que você está aqui para assistir à Amélie, finalmente. O que acha?
Ela olha sutilmente para o relógio de parede atrás de mim e pensa um pouco antes de responder.
— Sim — ela diz, por fim. — Adoraria.....
É estranho tê-la no meu quarto. Ela é a única mulher que já entrou aqui além da Sabi, e isso me causa certa tensão. Percebo que ela se esforça para não ficar reparando, mas não a culpo por ficar sem saber para onde olhar. Tem realmente muita coisa ali e, para ela, todas são novas.
— É aqui que me escondo. — tento quebrar o clima.
— Uau, é... lindo! Eu não sairia daqui se pudesse...
Seus olhos passeiam pelas estantes e fotos emolduradas de lugares em São Paulo que visitei, e outras imagens que peguei na internet, de lugares no mundo onde ainda quero ir.
— Às vezes, tenho vontade de não sair mesmo. Mas, pode ser sufocante também, eu acho.
— Sim... Entendo você.
Ela fica de pé ali e indico a cama para ela sentar.
— Pode sentar aí... Na verdade, eu só vejo filmes aqui no quarto, então... Pode se acomodar na cama mesmo. E relaxa, ela é grande demais e... Não vou invadir seu espaço. — sinto meu rosto queimar e corar instantaneamente. Ela sorri e senta em uma ponta.
Sinto um pouco de calor, então, abro ainda mais a janela que dá para a Avenida Paulista.
— Depois, inclusive, quero te mostrar essa vista.
Ela me olha com uma cara curiosa.
— Depois. — sorrio. Pego o controle remoto e aponto para o teto, onde há o projetor que uso sempre que quero ver um filme. Ela parece surpresa e impressionada. — Vai ser tipo no cinema — aviso. — Sei o quanto você leva isso a sério, então também levo, apesar de não... entender tanto quanto você.
Deito no lado livre da cama e espero que ela se acomode melhor, mas ela nem se mexe. Coloco o filme no notebook e a imagem aparece na parede livre do quarto.
— Sério mesmo que você vai ficar mais de duas horas sentadinha aí na ponta? Não sou um bicho nem nada, relaxa! Pode encostar aqui. — aponto para a cabeceira acolchoada da cama atrás de mim. Então, ela estica as pernas e se aproxima um pouco, parecendo mais confortável. — Bem melhor, né?
Ela olha para mim e sorri, e tenho vontade de beijá-la. E de ver como minha boca ficaria borrada de roxo do batom que ela usa. Isso seria engraçado, mas tento focar e clico no play.....
Quando o filme termina, ela está chorando de novo e meu coração aperta. Acendo a luz pelo interruptor ao lado da cama e vou até ela.
— O que houve? Você não gostou?
— Amei... Amei muito! É lindo! A fotografia é maravilhosa, e a trilha sonora também... Sério, nota dez!
Sorrio.
— Por que você tá chorando então? — agora, passo meu braço por trás dela e ela deita no meu peito. A maneira como ela se encaixa ali faz parecer que ela já fez isso outras vezes, muitas outras vezes. Só que essa é a primeira. Meu coração quer parar, mas a proximidade de Sina o acelera e faz com que minha respiração até falhe.
Ela parece nem notar a confusão dentro de mim.
— Porque gostei muito, achei muito sensível e... Amélie? É uma das melhores protagonistas. Estou apaixonada.
Sorrio sem que Sina me veja.
— Ela realmente é incrível. — olho as horas na tela do computador e quase tomo um susto. 1:04 da manhã.
Apesar de já ser segunda-feira, só entro no trabalho às duas da tarde, e o estágio da Sina também começa por esse horário, então, não falo nada. Não precisamos acordar cedo, e eu não quero que ela vá embora.
— Sabe de uma coisa? — o cabelo volumoso e liso dela está na minha bochecha. Eu poderia ficar sentindo seu cheiro assim, de tão perto, por dias. É maravilhoso. — O dia hoje foi bem tenso e sei lá, triste.
— Foi mesmo — ela responde baixinho. — E revelador.
— Revelador — concordo. — E isso se encaixa na categoria tenso.
Sei que ela dá um sorriso, mesmo sem ver o rosto dela.
— Pensando nisso... — puxo meu braço devagar, e ela levanta. Meu corpo reclama, já sentindo falta dela ali. — ...tive uma ideia. Deixa eu te mostrar uma coisa...
Ela me segue até um quarto que estava com a porta fechada. É onde deixo minha vitrola mais bonita — apesar de eu ter duas e a outra ficar no quarto —, e as paredes têm pôsteres de bandas de que eu gosto, uma pequena poltrona acolchoada vermelha, que uso quando quero ficar ali sozinho ouvindo música, e muitos, muitos CDs e meus vinis favoritos. Quando abro a porta, olho para ela e sua expressão se ilumina ao ver o que tem lá dentro. Ela arregala os olhos e abre a boca em um "o" de surpresa, e eu sorrio.
— Esse é meio que... Meu paraíso. Sempre venho aqui quando não estou bem, e também quando estou, na verdade.
Deixo um espaço para que ela entre. Então, ela vai até a primeira prateleira e começa a analisar tudo com calma, de vez em quando falando coisas como "adoro esse, esse e esse daqui".
Depois de um tempo, vou até uma parte em especial da prateleira e, sem que ela veja qual, tiro um disco de vinil, coloco na vitrola e avanço para a segunda música.
As batidas ecoam e Sina se assusta um pouco, o que me faz rir. Em seguida, o baixo começa e ela olha para mim.
— Não está um pouco tarde? — ela pergunta um pouco envergonhada, como se não fôssemos só eu e ela aqui.
— Depende do ponto de vista — respondo. Ela sorri e vou até ela. — Gosta de Amy? Winehouse? — pergunto, fazendo referência a voz que começa a cantar no mesmo segundo.
— Muito! Ela é um ícone!
Sorrio. De fato, ela era um ícone.
— Acho que ela ficaria feliz em nos ver dançando uma de suas músicas felizes, que tal?
Ela sorri, sem graça, mas concorda.
Pego sua mão, depois coloco minha mão livre em sua cintura e a puxo para mais perto. Começamos a dança mais desajeitada da minha vida, mas, ao mesmo tempo, é engraçado e não quero parar.
Ela sorri sem receios, e, aos poucos, vai se soltando. Começa a balançar mais o cabelo, e dar algumas requebradas. Quando os metais começam, exatamente na metade da música, já estamos bem mais felizes que antes, e agora cada um dança como quer. Ela agita os cabelos e a cintura, e eu faço uma péssima imitação de saxofonista, como se eu tocasse um instrumento invisível.
Na verdade, ela dança muito bem e, quando pega o jeito, fica sensacional. Sempre que os metais recomeçam, ela me imita também, e vamos de um lado para o outro com a batida, como se o ritmo nos embalasse e nos balançasse. É divertido.
Amy canta "Eu te disse que eu era um problema... É, você sabia que eu não era boa", e a música tem outro sentido para nós. Eu sou um problema. Ela sabe que eu não sou bom. Mas, quando ela está comigo, os problemas quase desaparecem e me sinto ótimo.
Agora, vendo seu sorriso enquanto rodopia, eu me pergunto se ela não será a responsável pela paz mundial. Eu me pergunto também quantos problemas o sorriso dela não seria capaz de resolver.....
Agora o visor do celular mostra 2:25 da manhã. Mesmo assim, estamos de volta à cozinha, comendo as fatias da pizza que sobraram e tomando refrigerante, já que o vinho acabou minutos atrás, enquanto ainda dançávamos na salinha de música.
Sina está bem mais sorridente e falante. Não sei se por causa do vinho, mas acho que ajudou. Ela não está bêbada, só sinto que ela está mais leve do que estava quando chegou aqui, e isso é bom.
O clima pesado dessa casa o tempo todo é horrível.
— Porque te chamam de Noahzinho? Quer dizer, é um apelido, né, óbvio...
— Sim é um apelido. — sorrio. — Sabi que começou, disse que Noah o tempo todo era formal demais. Achei até bom.
— Hm... Vou te chamar de Noahzito, pode?
— Noahzito? — acho o apelido engraçado. — Pode. Ninguém nunca me chamou assim antes...
— É o propósito. — ela sorri de volta. — É um apelido exclusivo. Vamos ver se pega.
— Tudo bem... Vamos ver.
— Acho que preciso ir embora... — ela diz depois de me encarar por um tempo.
Encaro-a de volta.
— Acho que você precisa voltar.
— Foi o que eu disse. — ela ri.
— Não, não para sua casa. Para cá. Você já precisa voltar aqui.
Ela continua sorrindo.
— Aguardarei um convite.
— Precisa ser impresso? Formal? De joelhos? — Não, não. Estava só brincando. É claro que volto. Adorei a noite.
Ela levanta e pega a bolsinha que trouxe, indo em direção a porta da cozinha e depois para a sala. Vou atrás dela.
— Eu também — emendo com total sinceridade. — Mas como você vai embora?
— De táxi. Agora já é bem perigoso ficar por aí, né?
— Certamente. Vou chamar um taxista de confiança, tudo bem?
— Sim, tudo bem.....
Pouco antes das três da manhã o taxista chega, e fico triste em ter que deixá-la ir.
Quando ela já está quase na porta, ela para e me encara, séria. Eu retribuo o olhar.
— Noah... você vai ao médico?
A pergunta parece repentina e inesperada. Gaguejo antes de encontrar uma resposta.
— Hã... vou.
— Não senti firmeza — ela insiste.
— Vou. Vou, sim. A Sabi não vai me dar paz enquanto eu não for.
Ela sorri com aquela verdade.
Abro a porta e chamo o elevador para ela.
— Vou me juntar a ela, então. Vá, sim, Noahzito... Melhorar é importante para você, não é?
— Sim, é.
Ela pega minha mão e entrelaça os dedos nos meus. O elevador chega, mas ignoramos.
— Pois, então. Aposto que você vai sair dessa. Vai ficar bem. Aposto todas as minhas fichas em você.
É difícil não acreditar no que ela diz quando ela me olha assim, e quando seus dedos estão nos meus.
— Não é uma aposta muito alta?
— Eu ficaria feliz em vencê-la. Com você.
Então, ela solta sua mão da minha e entra no elevador. Vejo seu sorriso uma última vez naquela noite, antes que a porta se fecha. Agora, não há mais música nem sorrisos pela casa.
Tranco a porta e vou direto para o meu quarto me jogar na cama.
Dou um sorriso leve.
O cheiro dela está nos travesseiros.
Durmo em seguida. É uma noite tranquila como eu não tinha há anos.
Quase sinto que ela está ali comigo.{3/8}
Que capítulo meus amigos, que capítulo!
Xoxo ✨
VOCÊ ESTÁ LENDO
𝐀𝐒 𝐋𝐔𝐙𝐄𝐒 𝐌𝐀𝐈𝐒 𝐁𝐑𝐈𝐋𝐇𝐀𝐍𝐓𝐄𝐒 - 𝐍𝐎𝐀𝐑𝐓
Romansa[CONCLUÍDA] Noah passou por uma fase terrível e seu coração ainda está despedaçado. Agora, ele decidiu viver um dia após o outro, tentando compreender as particularidades dessa cidade enorme que é São Paulo, onde ele vive, mas se sente sozinho. Poré...