027|sɪɴᴀ

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São quatro horas da manhã quando finalmente deito a cabeça no travesseiro. É inevitável estar com o Noah e não ficar horas acordada depois, pensando em tudo o que aconteceu. E sempre acontece algo que gosto de repassar na minha cabeça até dormir, com medo de que o pensamento ou a lembrança desapareçam.
E hoje, especificamente, tenho muito o que lembrar.
Primeiro, o cheiro da pipoca prestes a queimar depois de ouvir "sinceramente, você é o mais perto do bem que já cheguei".
Desde que conheci Noah, tive os mais diferentes sentimentos em relação a ele. Tive raiva quando ele me atropelou. Depois, fiquei confusa quando aquele cara mais bonito do que deveria ser me chamou para um café como uma tentativa de "prestar socorro". Quando estivermos sozinhos no Starbucks pela primeira vez, a concepção da tatuagem que nos fez trombar e como é engraçado ele me perguntar sobre Justin Bieber em um primeiro encontro e todas as outras particularidades que eram tão dele, e que envolviam no numa névoa de sentimentos contraditórios.
Desde aquele dia senti sua aura misteriosa, havia algo naqueles olhos claros que me fazia querer saber mais. E me fez ir atrás dele de novo. Tudo bem, meus fones de fato faziam falta, mas não eram eles que eu queria, era ele.
Então, teve a crise que me deixou sem entender mais nada, o abraço no terraço, o cheiro de shampoo sofisticado, o gosto por trilhas sonoras, o convite para assistir à Amélie. Seu pensamento sobre vícios, hábitos destrutivos e o abraço que dei nele. Eu sentia que havia algo muito forte que me puxava a ele, e eu nem o conhecia.
Ele criou um perfil no Facebook para falar comigo, por mais que não soubesse como usar aquilo.
Tudo foi acontecendo tão depressa: a pizza, a casa dele, a história dos pais e da sua saúde fragilizada. Eu sabia que ele estava em cacos, reconhecia a dor nos olhos dele, mas conhecer a história toda era inédito e doloroso.
A dança no quarto de música, e o quarto de música. Sua paixão pela arte, por São Paulo, por mais que a doença lutasse para tirar ou arrefecer isso nele. Ele é forte, e resiste, e ainda ama suas convicções, por mais que uma guerra esteja sendo travada dentro dele. Ele contra ele mesmo.
Às vezes, acho que o cérebro pode ser como uma arma. Há momentos em que pensar demais é o que basta para indicar uma guerra consigo mesmo. Em instantes, pensamentos autodestrutivos tomam conta onde tudo o que ele entende como "ser". Não tem como escapar do próprio corpo, tem?
Então, eu não pude evitar beijá-lo. Foi mais forte que eu... vê-lo tão frágil e solitário, tão despedaçado independente. Ele disse que eu era algo bom na vida dele, certo? Espero que o beijo tenha servido para mostrar como eu me sinto em relação a ele, porque eu não seria capaz de dizer em palavras. Mesmo sem saber de onde veio aquele impulso, consegui me afastar o suficiente para ver os olhos dele: com um pequeno brilho em meio a tanta escuridão.
A noite continuou quase como se nada tivesse acontecido. Fomos até o quarto dele como na outra vez, ele ligou o projetor na parede oposta onde havia desenhado o mapa de São Paulo com os pontos vermelhos e os Post-its numerados. Anne Hathaway apareceu pouco tempo depois, e me aninhei nos braços dele com menos de trinta minutos de filme. Queria que durasse mais cinco horas.
Estico o braço até o pequeno móvel que fica ao lado da minha cama, pego meu celular e o fone de ouvido que Noah me deu. Dou play na trilha sonora de O Grande Gatsby, que escuto no modo aleatório pelo Spotify, e me choca quando começo a perceber a letra da primeira música que toca.

Pegue
Os pedaços do seu coração
E deixe-me espiar dentro

Deixe-me entrar
Onde apenas seus pensamentos foram
Deixe-me ocupar a sua mente
Como você ocupa a minha

Seu coração é uma bagunça
Você não admite
Não faz sentido
Mas eu estou desesperado para me conectar
E você, você não pode viver assim

Cada nova estrofe da música poderia ter sido escrita por mim, e, mesmo que não tenha sido, traduz perfeitamente meus pensamentos e sentimentos em relação a ele. Eu me perco completamente nas lembranças e na melodia, que continua.

Você perdeu
Muito amor
Para as dúvidas, medo e desconfiança
Você apenas jogou fora a chave
Para o seu coração

Agora eu me lembro da história dele, dos pais, da mãe, da solidão, de como tudo isso fez com que ele se fechasse para o mundo. Como a solidão e o medo de que o mal o atinja de novo o machuca por dentro. A última estrofe, então, me acerta, e, entre arranjos bonitos, ela continua ecoando pela minha cabeça sem parar, trazendo um misto de reflexão, saudade e uma sensação de impotência quase cruel.

O amor não é justo
Então, aí está você
Meu amor

Gostaria de poder salvá-lo de tudo que o consome.

Gostaria de poder salvá-lo de tudo que o consome

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{6/8}
Xoxo

𝐀𝐒 𝐋𝐔𝐙𝐄𝐒 𝐌𝐀𝐈𝐒 𝐁𝐑𝐈𝐋𝐇𝐀𝐍𝐓𝐄𝐒 - 𝐍𝐎𝐀𝐑𝐓Onde histórias criam vida. Descubra agora