053|ɴᴏᴀʜ

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O celular vibra no meu bolso uma vez, e me desperta do torpor usual.
A livraria não está muito cheia, o que me permite ficar em um canto, meio escondido atrás de uma prateleira, esperando que as horas passem eu possa voltar para casa.
Nesse tempo penso na Sina e lembro que, se meus cálculos — por piores que sejam — estiverem certos, ela volta essa semana.
Meu coração aperta de saudade, e o celular vibra de novo.
Olha o redor e, ao ver que não há ninguém por perto, pego aparelho. "Pepe — chamando".
— Meu Deus, Pepe — sussurro. — O que foi? Estou aqui na loja!
— Eu sei que está, saí daí há quinze minutos! Não imaginei que você tivesse sido abduzido nem nada assim.
— Engraçadinho! Fala o que você quer, antes que eu seja demitido.
— Vem aqui em cima. Agora, no terraço. Preciso de você aqui, ok?
— O quê? Pepe...
A chamada termina tão de repente como quando começou, e quando o celular apaga na minha mão, vejo pelo reflexo o tamanho da olheira que está aparecendo sob meus olhos.
Droga, estou criando um monstro.

....

Soltem a música

Estou no terraço, procurando por Pepe, que não está em lugar algum. Então, meu celular vibra no bolso. É uma mensagem dele.
Estou chegando, me espera aí!
Vou até o parapeito para esperá-lo, e vejo que o movimento constante da Paulista continua, com a avenida abarrotada de carros, pessoas apressadas, faróis, luzes brilhantes que acendem nos prédios e nos postes e um pequeno rastro do sol que ainda insiste em se fazer presente.
Puxo um cigarro do maço e vejo que é o último. Dane-se, compro outro depois. Puxo o isqueiro do bolso e acendendo o fogo, levando-o até o cigarro que pende na minha boca ansiosa.
Quando meus lábios tocam o filtro, alguém diz meu nome ao longe.
— Noah?
Viro a tempo de ver Sina saindo do elevador e a porta fechando atrás dela. Ela vem apressada até mim, com dois copos do Starbucks nas mãos, vestindo shorts jeans curto e bem desfiado, uma blusa branca que parece ser macia e um batom roxo nos lábios. As bochechas parecem molhadas. Quando ela chegar mais perto, vejo que é porque ela está chorando.
Meu coração bate acelerado, descompassado e quase desesperado ao vê-la de novo. Quero correr até ela, beijá-la e abraçá-la, mas o medo me faz ficar quase imóvel.
Trago a primeira fumaça e aquilo não faz o menor sentido. Por mais aflito que eu esteja, agora simplesmente não sinto vontade de fumar.
Ela para de frente para mim e me analisa, meu rosto primeiro, depois meu cabelo e meu corpo. Involuntariamente, faço o mesmo a ela.
— Ai, Noahzito... eu senti tanto a sua falta...
Então, ela me puxa para um abraço, e no segundo que a pele dela toca a minha e sinto seu perfume — que agora é mais doce, provavelmente um novo dos Estados Unidos — , meus olhos se enchem de lágrimas.
Jogo o cigarro fora.
Ela não se afasta e ficamos assim, presos no abraço. Sinto que talvez ela também esteja chorando, mas não quero soltá-la para conferir.
Abraço-a com força, como se nosso mundo dependesse disso. Algo me diz que é importante que eu não a solte agora, e eu obedeço.
Abro os olhos e analiso o cabelo liso que caem pelo meu rosto, e vejo que há pontas coloridas, claras, que não estavam ali antes
— Eu senti tanto a sua falta... — sussurro. Tanto...
Ela mostra os copos do Starbucks para mim: há uma bicicleta meio torta em um deles — no meu — , e um coração com um curativo — no dela.
— Eu também — ela diz, se afastando o suficiente para olhar para mim. — Não houve um dia sequer que eu não me arrependesse de ter te deixado. Lamento muito, por tudo.
— Eu também. Fui um idiota. Não deveria ter feito aquilo com você.
As lembranças de nós dois no Johnny Rockets, a forma como reagi ao saber que ela viajaria e vê-la chorando enquanto eu me afastava passam depressa pela minha cabeça.
— Está tudo bem agora. Eu não queria ter magoado você também... Fui uma burra, e...
Ela não diz mais nada, porque a beijo. Então, penso que meu amor por ela foi a coisa mais importante que já me aconteceu, por bem ou por mal, fez eu entender quem eu sou.
Nossos lábios ainda estão colados, quando eu me afasto o suficiente para dizer algo que ecoa pela minha mente:
— Eu te disse quando você foi embora: não há nada para perdoar. E eu manteria nosso amor a salvo comigo.

....

É impressionante o que um beijo, um abraço, a presença de alguém são capazes de fazer. Essas pequenas coisas nos acalmam, e falam mais por nós do que podemos imaginar. Percebemos nos olhares que está tudo bem, que ela está de volta, que não há mágoa para curar.
Tudo o que queremos é um ao outro.
— Ei... o que é isso?
Agora ela olha para o meu braço, para o lugar onde fiz algo que não disse para ela que faria.
— Eu retocei. O coração.
— Ficou lindo — como os olhos brilhando, ela encara agora o desenho que antes tinha apenas contornos pretos e uma pequena manchinha escura na parte de cima, onde borrei quando trombei com ela. Agora, o coração está pintado de azul, como o mar e o céu, com uma técnica de tatuagem onde a tinta fica igual a uma pintura em aquarela.
Ela marcou o meu coração quando nos conhecemos.
E coloriu a minha vida desde então.
Alguma coisa na ausência dela me faz sentir isso, e acabei marcando a sessão sem contar para ninguém. Ainda que ela nunca mais voltasse, mesmo que eu nunca mais a visse, meu coração continuaria marcado por ela, e tudo o que ela me ensinou e me fez sentir. E eu sei que jamais vou me esquecer disso.
Quando ela me abraça e eu sinto seu cheiro, entendo que não há distância capaz de separá-la de mim. E, por um momento, já não importa quais sejam os meus medos e paranoias: ela é a prova de que as coisas podem ser melhores.
Há o risco de que ela destrua meu coração e tudo de bom que construí em torno dela, como minha mãe fez comigo e com meu pai, mas, agora, entendo que não posso depositar sobre ela todas as minhas frustrações e angústias. As pessoas são diferentes, seus destinos são diferentes, mas, isso é algo que eu já deveria saber.
Hoje, depois de tanto tempo e vendo reflexo colorido dos carros, das luzes e dos faróis nos olhos claros da Sina, entendo que sempre haverá uma saída. Se não, ao menos haverá um motivo que me faça sonhar, lutar ou sorrir. Vivi nessa cidade por vinte e quatro anos e tudo que passei, ano após ano, foi um apanhado de decepções e frustrações, enquanto a tristeza e a solidão me acompanhavam por cada avenida e cada copo de Starbucks, até que comecei a compartilhá-los com Sina. Mas, por fim, descobri quais são as luzes mais brilhantes, e porque gosto tanto delas.
Pego as mãos da Sina e enrosco seus dedos nos meus, enquanto ela me olha e sorri. Agora, sei que nada mais importa.
E bem aqui, onde eu tive a minha primeira crise ao lado dela, onde passei tantos momentos sozinhos esperando que algo bom me acontecesse, onde imaginei tantos finais felizes e por tanto tempo desejei um para mim mesmo, parece ser o único lugar onde poderíamos estar juntos de novo.
Não sei como ela me encontrou aqui, mas sinto que ela me encontraria em qualquer lugar.
Então, avisto Pepe apontar do outro lado do terraço, de mãos dadas com a Sabi. Os dois estão sorrindo, cúmplices.
Agora, sei como a Sina chegou aqui. Ela chega mais perto de mim e passa a mão livre por trás das minhas costas, repousando-a no meu ombro. Ela aninha a cabeça perto da minha nuca, e sinto que estou completo.
Sim, ela me encontraria em qualquer lugar.
E, finalmente, posso afirmar que, sim, existe amor em São Paulo.

 E, finalmente, posso afirmar que, sim, existe amor em São Paulo

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A fic já está acabando 🥺
Xoxo

𝐀𝐒 𝐋𝐔𝐙𝐄𝐒 𝐌𝐀𝐈𝐒 𝐁𝐑𝐈𝐋𝐇𝐀𝐍𝐓𝐄𝐒 - 𝐍𝐎𝐀𝐑𝐓Onde histórias criam vida. Descubra agora