025|sɪɴᴀ

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Saio do prédio de Noah, e um taxista já está na porta. Na verdade, está mais para um daqueles carros do Uber do que para um táxi convencional. De qualquer forma, entro e dou meu endereço.
Enquanto o carro percorre parte da Paulista quase vazia, reparo nas luzes acesas e nas poucas pessoas que vagam por ali. São Paulo também é uma cidade que nunca dorme. Olho no relógio e vejo que já são três da manhã, então percebo porque Noah gosta tanto daqui. Ele parece não receber muita visita de sono e, se recebe, não é da forma convencional.
Reconheço o caminho de casa quando o carro passa por ruas nos bairros próximos ao meu. Nunca fiquei na rua até tão tarde, e vejo como São Paulo consegue ser outra cidade de madrugada. Noah faz com que eu sinta que não conheço nada ali, e fico surpresa pra me pegar reparando agora tanto em tudo.
Fico triste quando o carro para em frente ao meu prédio. Confesso que gostaria de passear mais pela cidade quase vazia. Parece que sou só eu por aqui, e Noah nos meus pensamentos.
Abro a bolsa para pegar o dinheiro e pagar o motorista, e ele desce do veículo para abrir a porta para mim. Olha para ele, confusa. Desço do carro e ele volta para dentro. Eu me aproximo da janela com o dinheiro em mãos, e ele olha para mim.
— Sua corrida já foi paga.
— O quê? Como assim, paga?
— Pelo Noah. Cortesia. Tem uma boa noite.
— Mas, moço... — protesto. Ele dá um sorriso, acena com a cabeça e dá partida de novo. Fico parada ali, vendo-o ir embora.

....

Chego ao apartamento está tudo silencioso e escuro. Claro que meus pais já estão dormindo. Entro sem fazer barulho e vou até o meu quarto. Fecho a porta e sento na cama. Flashes da noite passam pela minha cabeça.
A pizza mais gostosa, as revelações amargas e o filme de sobremesa.
Tudo em Noah é viciante e me deixa querendo mais. Por isso, mesmo depois de vestir o pijama e tirar a maquiagem, ainda estou pensando nele, sorrindo ao lembrar das danças, dançando ao lembrar do vinho. Deito na cama e observo o teto do quarto.
Não tenho um pingo de sono. Rolo para um lado e para o outro, e nada de fechar os olhos. Só consigo repassar tudo várias e várias vezes pela minha cabeça. Ainda consigo ouvir a voz da Amy Winehouse dizendo que "o amor é um jogo de azar".
Sempre gostei dela, mais espero que esteja errada.
Sinto que estou ganhando, e gosto dessa sensação.

....

Quando acordo, horas mais tarde, o sol já invade tudo e levanto de bom humor. Abro a porta do quarto e vou até a cozinha, onde encontro minha mãe preparando o almoço. Ela me lançar um olhar engraçado.
— Que foi, dona Alex?
— Não sei que passarinho verde foi esse que você viu que te fez acordar de bom humor assim não, mas... Manda um beijo para ele na próxima vez que você o vir.
Sorrio sem graça.
— Ai, mãe, nada a ver.
— Estou sabendo... Só tente não chegar tão tarde da próxima vez. E acho que o beijo que estou mandando hoje você já deu ontem, né?
— Mãe! O que é isso? — reclamo, sentindo ainda mais vergonha.
— Apenas a verdade...
Ela continua com um sorriso malicioso. Depois de me dar um tapinha de brincadeira, sai da cozinha.

....

O restante do dia é bastante rotineiro. Almoço, sigo para o metrô, desço na Paulista e caminho até o estágio. Lá, edito comerciais de TV e organizo alguns roteiros a pedido do meu chefe. Hoje, no meu intervalo, não vou atrás de Noah. Em vez disso, fico no estágio, adiantando o máximo de coisas que posso para ter mais um tempo no intervalo de algum outro dia.
Nunca se sabe quando será necessário.
Mais tarde, saio do estágio e vou para a faculdade, onde só tenho aulas teóricas de história do cinema e outra bem chata de planejamento.
Quando o último sinal toca, são 22h. Significa que estou livre.
Mando uma mensagem para ele.
Estou livre! Finalmente! E você?
E ele responde:
São em 20 min. Hoje deu movimento. Vejo você?
E envio:
Primeiro Starbucks de todos. Em 30 min.
Saio correndo e chego à Paulista em tempo quase recorde. A avenida está começando a ficar menos movimentada, mas, ainda assim, há diferentes grupos de pessoas vagando por ali, e, na ciclovia, pessoas correndo, caminhando e andando de bicicleta. Lembro de Noah e da sua bicicleta com o pneu empenado.
Como ele está fazendo agora?
Hoje, eu me antecipo ao entrar primeiro e fazer o pedido — o meu e o dele. Peço alguns croissants para acompanhar, como na primeira vez em que estivemos aqui. Estou com fome, espero que ele também esteja. Olho ao redor e vejo que nessa noite o lugar está bem mais cheio do que naquela vez. Mesmo assim, a mesma mesa em que sentamos naquele dia está vaga. Corro para lá.
Ele demora mais alguns minutos, e me pergunto se ele não está me esperando lá fora. Então, digito:
Mesma mesa. Tô aqui.
Em menos de um minuto, a porta abre, ele entra e meu coração quase dá um pulo.
Ele está muito bonito. Na verdade, não há nada de diferente no visual dele, a não ser pelo sorriso que me lança ao me ver. Ele está com uma camisa polo listrada de azul e branco que nunca pensei em ver nele. Em todas as outras vezes ele estava de preto.
Seu sorriso é largo e, não querendo parecer convencida, acho que os olhos dele brilham. Noah desvia das mesas entre nós até que chega e puxa a cadeira, notando os copos e os  croissants. Ele apenas sorri com os lábios fechados, de uma maneira tão bonitinha que faz aparecer uma covinha que eu nunca havia reparado.
— Não acredito que já fez o pedido.
— Não acredito que pagou meu táxi — devolvo.
— Aquilo não foi nada, aquele motorista me devia uma — ele brinca.
Sua mão direita avança para o copo e eu sorrio para ele.
"Outras drogas" é o que diz ali hoje.
Como eu já imaginava, ele me olha confuso. Então, viro o meu para ele.
"Amor e".
— Amor e Outras Drogas. O próximo filme que vamos ver. — então, tiro o filme da bolsa e mostro para ele.
— Anne. Gosto dela.
— Também gosto. Dos dois, na verdade.
— Sim. Ainda não vi esse filme, parece ser bom.
Ele busca o verso da embalagem, mas eu o impeço de ler a sinopse.
— Nada disso. A única coisa que você vai saber sobre o filme é o título e os atores, ok? Promete que não vai pesquisar nada.
Ele me encara com uma expressão engraçada.
— Prometo.
Empurro o copo um pouco mais na sua direção e o chantilly quase cai.
— Pedi para capricharem. Acho que deu certo. Ele sorri.
— Vou ficar mal-acostumado. Será que faz mal vir ao Starbucks todos os dias com uma menina linda que pede para caprichar no meu pedido e ainda me apresenta a filmes que não posso ver imediatamente nem pesquisar sobre? Será que há alguma recomendação do Ministério da Saúde para me salvar de um possível perigo?
Sei que ele está brincando, mesmo assim o "menina linda" me faz corar. Desvio o olhar e bebo um pouco do meu "Amor e".

𝐀𝐒 𝐋𝐔𝐙𝐄𝐒 𝐌𝐀𝐈𝐒 𝐁𝐑𝐈𝐋𝐇𝐀𝐍𝐓𝐄𝐒 - 𝐍𝐎𝐀𝐑𝐓Onde histórias criam vida. Descubra agora