016|ɴᴏᴀʜ

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Quando chego em casa depois do trabalho, está tarde e chove, embora durante o dia não houvesse sequer uma nuvem no céu. São Paulo tem dessas coisas. Minha roupa está completamente molhada. Ao me ouvir abrir a porta, minha mãe para de ler a revista de decoração que está em suas mãos e me olha com uma expressão assustada.
— Noah, meu filho! Não acredito que você saiu sem guarda-chuva!
Meu Deus, o que é que ela está fazendo aqui?
— Pode acreditar. Você teria feito o mesmo se tivesse ido à rua.
— Na verdade, eu fui. Mas, já voltei.
— Percebi — respondo, seco.
— Noah? — ela chama enquanto entro na área de "serviço" que não uso para nada, a não ser para estender minha roupa molhada e lavar outras. Pego a toalha no varal.
— O que foi? — respondo, entediado. Quando me viro na direção da cozinha, ela está na porta e me dá um susto. — Meu Deus, mãe! Quer me matar?
— Não filho, claro que não... — ela vem na minha direção com as mãos na altura do meu rosto e eu desvencilho. Espirro em seguida, o perfume dela deixou um rastro irritante no ar.
Ela parece decepcionada.
— Como foi seu dia? — ela pergunta, e parece que seu plano número um é me irritar.
— Ótimo. Até agora. — saio para um banho.
Quase me dói agir com ela assim... Adoraria não ter motivos para tanto.

....

Infelizmente não posso demorar no banho todo o tempo que quero. Por mim, passaria a noite aqui dentro só para não ter que encarar a minha mãe e tudo mais. Na verdade, se eu pudesse, ainda estaria na sacada do conjunto com a Sina.
E, pensando em Sina... Facebook! Sim, preciso de um Facebook!
Saio do chuveiro, visto uma roupa confortável para dormir e vou até a cozinha... Preciso comer algo e, depois, Facebook.
Apesar de todas as minhas esperanças, minha mãe está acordada. Ainda no sofá, ainda lendo a revista. Passo como se ela não estivesse ali e abro a geladeira, que está lotada. Tem embutidos, frutas, suco e até uma torta.
— O que é isso? — pergunto, irritado. Em cima da bancada tem bolo, pão e torradas que só agora eu vejo.
— Comida. Não vai te atacar.
— Você sabe que não quero você abastecendo a minha casa, não sabe?
— Noah, escuta. — ela está séria, e vem do sofá ao meu encontro. Estremeço a cada passo que dá. O roupão é de uma certa tão confortável que nem preciso tocá-lo para saber. A forma como ele ondula com os passos é quase artístico, mas, o momento me assusta. — Sou sua mãe — ela completa, e eu gargalho ironicamente na cara dela.
— Sério? E você descobriu isso naquela revista ali? — aponta para o sofá. Ela não ri da ironia, e sei que está irritada. Não tanto quanto eu.
— Uma hora ou outra você precisa parar de ser tão infantil. Eu errei, eu sei. Mas, estou aqui pra tentar consertar isso! Será possível que você não vai baixar a guarda nunca?
Tenho vontade de chorar a cada palavra que ela diz. De raiva, ódio, tristeza, frustração, tudo. Mesmo assim, continuo impassível, de pé na cozinha. Abro o armário e tiro um biscoito que comprei antes dela chegar.
— Não, não vou baixar. Não há porque deixar você me destruir de novo. Pare de comprar comida para minha casa. E quanto a isso — aponto ao redor —, espero que você consiga comer tudo antes de ir embora. E que não demore. Anthony deve estar com saudade.
Vejo nos olhos dela que algo se partiu, mas não ligo. Tudo dentro de mim está partido também. Desvio de seu corpo inerte na cozinha e vou para meu quarto com os biscoitos. Fecho a porta e a tranco em seguida. Respiro fundo uma, duas, três vezes. Abro a janela para o vento da chuva entrar e me acalmar. Depois, escolho na prateleira de vinis algum para ouvir agora.
In The Lonely Hour, Sam Smith.

Soltem a música

Parece apropriado.
Dou play no disco enquanto pego o notebook que quase não uso... Abro o computador e espero ligar para conectá-lo à internet.
Espero que a página azul carregue, digito minhas informações e, pela primeira vez em muito tempo, me sinto antigo. É tão banal que só agora eu esteja fazendo um perfil no Facebook que até para minha ideia parece absurda. E só tenho 24 anos. A parte de escolher uma foto de perfil é quase dolorosa, e sorrio sozinho. Não tenho uma foto decente sequer... O jeito é tirar uma.
Bagunço o cabelo de um jeito que acho que fica legal, ligo a webcam do computador e tiro a foto pensando em Sina. Porque, sinceramente, é por ela que estou fazendo isso tudo. A foto sai quase bonita, e acho que deve ser para ela me reconhecer. Depois, talvez, eu tire outra.
Em menos de cinco minutos eu tenho um Facebook. Mas, ele está vazio. Não há nenhuma postagem (é assim que chamam?), nem fotos, nem ninguém. Só eu. Posso fazer o que eu quiser ali, falar o que eu quiser e publicar o que eu quiser... Posso continuar sendo só eu, se quiser.
Mas, até quando?

....

Procuro por Sina Deinert no Facebook, e aparecem quase todas as Sinas do mundo. Eu me pergunto se existem mesmo tantas.
Passo páginas, mais páginas e mais páginas e, então, lá está ela. Meu coração quase para ao ver a foto em miniatura. Clico em seu perfil e, sim, é ela. Um batom marrom, a pele clara e brilhante, o cabelo liso bem definido contornando o seu rosto, diferente do black power de hoje, mas não menos bonito. Passo minutos olhando para cada detalhe daquela mesma foto, e vejo que até pequenos brincos brilhantes ela usa. São como diamantes. E ela consegue brilhar mais que eles.
Quando dou por mim, meu caderno de desenhos já está aberto e ela está nele, com o cabelo como na foto, porém, com o vestido esvoaçante como a saia que ela usava hoje, em uma versão maior e mais colorida. Antes que o vestido toque o chão, ele se transforma em borboletas por algum motivo que desconheço. Ela sorri para mim, e atrás dela há a avista da sacada do Conjunto.
Não há nuvens, não há sol, nada acima dos prédios. É como se o céu fosse ali, e ela, o astro maior.

....

Já enviei um "Oi" há quarenta minutos. Não sei o que eu devo fazer agora. Ela ainda não respondeu. Acho que devo esperar, certo?
O disco do Sam Smith já está tocando pela segunda vez.

....

São 4:40 da manhã e já voltou a chover.
Nem sinal dela. Eu me pergunto se ela está bem. E sei que eu deveria ir dormir, mas não consigo.
Levando em silêncio e vou até a cozinha beber água. Caminho quase na ponta dos dedos, não posso nem quero acordar minha mãe. Na verdade, isso é a última coisa que eu preciso agora.
Bebo a água e cedo a um bolo com uma aparência maravilhosa que está ali. Espero que minha mãe não note pela manhã.
Volto para o quarto e apago a luz. Agora, a tela acesa do computador e as poucas luzes de fora do apartamento que entrou pela janela são tudo que iluminam o quarto. E, quando estou quase dormindo, escuta um som vindo do computador.
Salto na cama como se estivesse escutando um tiro. Quando olho para a tela, é uma mensagem da Sabi.
Sabi? Como ela sabe que estou no Facebook?
O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI?
Sei que ela está bêbada porque está digitando em letras maiúsculas. Já vi fazer isso antes, e, ainda assim, o português é perfeito.
Não posso testar as novas tecnologias?
Provoco, já rindo. Sabi tem o dom de me alegrar, mesmo pela tela de um computador. Acabei de descobrir isso: ponto para o Facebook.
TECNICAMENTE, O FACEBOOK JÁ NEM É MAIS UMA TECNOLOGIA.
Sabi, um "bem- vindo" seria o suficiente.
Digito de volta.
KKKKKKKKKKKKKKKK NUNCA PENSEI QUE IA TE VER AQUI. NÃO QUE EU ESTEJA TE VENDO, MAS VOCÊ ENTENDEU.
Ha Ha Ha, Sabi. Você tá bem? Não deveria estar dormindo?
Provoco.
PENSEI QUE FOSSE O NOAH AQUI, NÃO A MINHA MÃE.
Se sua mãe soubesse que você está por aqui bêbada, pode ter certeza de que não seria assim que ela agiria.
Algo na tela indica que Sabi está digitando, e sorrio enquanto espero a resposta. Ela para de digitar e recomeça. Depois, para e recomeça.
O que será que está acontecendo?
Então, ela só responde:
CANSEI DE VC. VOU DORMIR, TCHAU.
Sorrio e dou boa noite. Volto a ficar sozinho no quarto. A voz do Sam Smith, o computador aceso e eu.
O "Oi" continua perdido na conversa com a Sina.
Espero que ela encontre depressa.
Sam Smith continuar cantando na vitrola... A voz doce e as letras românticas dele me acalentam, mas eu continuo com a sensação de que um dia a voz dele vai rasgar meu coração.
Enquanto esse dia não chega e Sina não responde... adormeço.

Essa música = tudo pra mim 🥺👉🏻👈🏻Xoxo ✨

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Essa música = tudo pra mim 🥺👉🏻👈🏻
Xoxo

𝐀𝐒 𝐋𝐔𝐙𝐄𝐒 𝐌𝐀𝐈𝐒 𝐁𝐑𝐈𝐋𝐇𝐀𝐍𝐓𝐄𝐒 - 𝐍𝐎𝐀𝐑𝐓Onde histórias criam vida. Descubra agora