Capítulo 4

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Na noite de sábado para domingo eu não consegui dormir direito, demorei a pegar no sono e pela primeira vez desde que voltara para casa eu pensei que talvez devesse tomar os remédios que o médico receitara, pelo menos os que me fariam dormir. Havia combinado de sair cedo com meus amigos, às oito da manhã Geff me apanharia de carro em casa, depois apanharíamos os outros.

Nas duas semanas anteriores meu pai não tocou mais no assunto do nosso acampamento, para ser mais especifico ele não trocou palavra alguma comigo, era como se ele não quisesse ou não tivesse nada mais para falar comigo, nem o que ralhar. Aquilo estava me incomodando, desde que eu voltara ele vinha me tratando com distância, impessoal e alheio como se olhar para mim, falar comigo, o fizesse pensar em coisas que ele não queria pensar. Talvez fosse frustração, talvez eu estivesse certo em dizer que ele não vinha agindo como meu pai, que nunca o fora de verdade, talvez eu tenha sido duro demais, mas ele talvez tenha aceitado isso como uma verdade.

Enquanto eu tentava dormir eu não conseguia deixar de pensar nele, na forma como ele me apareceu no hospital da cidade e disse que iria me transferir. Fiquei remoendo a cena, o jeito como ele surgiu no quarto de hospital sem me olhar nos olhos, jogando um par de roupas sobre a minha cama e mandando eu me vestir, falando rápido que tínhamos que ir logo, que tínhamos de ser rápidos.

Ele não deixou eu me despedir de minha mãe, sequer me permitiu a oportunidade, ele me tirou do hospital sozinho e me enfiou dentro do carro e dirigiu por quatro horas em silêncio absoluto. Eu me embirrei e fui no banco de trás, eu não conseguia olhá-lo nos olhos, mesmo sem entender o que ele estava fazendo eu sabia que ele não estava fazendo nada de bom, que ele não estava fazendo aquilo pensando em mim, que ele não estava fazendo aquilo para o meu bem, ele estava se livrando de mim como quem se livra de um animal indesejado, como quem se cansou do cachorro e o leva para um abrigo, ele me internou naquele hospital sem contato algum com minha mãe ou minha irmã, sem contato algum de ninguém.

Quando eu dormi eu sonhei que estava no quarto do hospital, não me lembro se era o hospital da minha cidade ou se era o hospital psiquiátrico, só me lembro que era tudo branco, extremamente alvejado e limpo. No sonho entrava luz pelas janelas e pela porta aberta, mas não era a luz do dia, não era a luz do sol, era uma luz branca, uma luz forte que eu não sabia de onde vinha. Eu estava deitado, eu me via deitado na cama, como se eu fosse outra pessoa, um espectador oculto, eu me via no meu próprio sonho coberto pelos lençóis brancos e de olhos fechados perdido naquele mesmo sonho que eu estava tendo.

Eu não me mexia, eu dormia um sono pesado e silencioso com os braços soltos ao lado do corpo e sentia meus pés frios, mesmo me vendo de fora eu sentia meu corpo leve e relaxado do sono e os pés frios.

Então aquela coisa acontecia, como sempre acontecia nos outros sonhos. Primeiro um arfar, uma respiração profunda, o ar saindo do fundo do meu pulmão e expirando tudo, depois inspirando com força e o peito subindo sob o lençol branco, eu sentia o ar, eu sentia a respiração, como um deja-vu eu assistia e sentia o meu corpo por inteiro. O coração começou a bater mais rápido e eu senti o sangue chegando com mais pressão às extremidades do meu corpo, primeiro na palma das mãos, depois na ponta dos pés, o corpo se aquecendo rápido, cada vez mais rápido e o coração batendo mais rápido também. Então veio o torpor, o sangue quente se chocando com o cérebro, a pressão vindo pelo pescoço e uma coisa que poderia ser uma enxaqueca, uma dor de cabeça mas que logo passou, que não chegou a doer, mas só esquentou, fez corar as maças do rosto e arder os olhos fechados. O coração batia rápido demais, tão rápido que doía, eu conseguia ouvir cada batimento, centenas deles por segundo, mais rápido do que um coração humano conseguiria, e quando eu achei que fosse parar de vez, quando eu achei que ele fosse explodir de tanto bater veio uma paz. De repente os sentidos todos se aliviaram, eu não senti nem frio nem calor, eu não senti mais o sangue, eu não senti mais o meu corpo, eu não senti meus membros, finalmente era como se aquele corpo deitado sob os lençóis não fosse mais o meu.

VOLITARE | (Romance Fantasia Gay) | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora