— Enquanto eu estive internado um dos outros pacientes viu — eu disse para Lena.
Ela me olhava incrédula. Havíamos chegado ao final da praia, estávamos longe dos meninos, as barracas pareciam só borrões coloridos lá longe na areia e eles manchas pequenas se mexendo.
Ela não acredita em mim, eu pensei, ela pensa que sou louco mesmo, assim como todo mundo até então havia pensado.
— Mas então me mudaram de quarto — eu continuei, — disseram que era histeria coletiva ou qualquer coisa assim, mas ai aconteceu de novo, e de novo, enquanto eu dormia acontecia, eu vagava pelo quarto e acordava caindo, eu caía de costas contra a cama ou então no chão.
Parecia mesmo difícil de acreditar, e eu queria que Lena realmente acreditasse em mim, ela era minha amiga mais antiga, eu não queria que ela me visse como louco assim como todo mundo me via.
— Uma noite uma das enfermeiras que faziam plantão me viram, ela começou a gritar e então eu acordei no chão, ouvindo os gritos dela, ela rezava, pedia a Deus para que me libertasse, como se eu tivesse sido possuído por algum demônio ou coisa assim. Então me colocaram para dormir em uma maca e me amarraram, desde então eu dormia todas as noites amarrado, eu gritava, eu esperneava, eu me mijava e ninguém fazia nada, eu fiquei noites e noites amarrado em uma maca. Durante as terapias os médicos ficavam impacientes e tentavam cada vez com mais agressividade justificar minha loucura. Eu não sou louca, Lena.
Ela estava em silêncio, ela me olhou nos olhos e ficou assim me olhando sem dizer nada por longos segundos. Ela queria dizer algo, mas não conseguia direito, ela fez menção de dizer, mas seus olhos marejavam, ela queria chorar e eu também.
— Eu acredito em você — ela disse me puxando para um abraço. — De verdade, eu acredito.
— Obrigado — eu disse preso no abraço dela e aliviado.
— Você contou isso para mais alguém? — Lena perguntou me soltando.
— Não — eu respondi.
— Sempre que quiser conversar comigo você sabe que pode vir — ela falou.
— Só não conta isso para os meninos ainda — eu pedi. — Pelo menos não ainda.
Quando voltamos para perto dos outros Lena não falou nada, voltamos a conversar com eles sobre coisas aleatórias e a procurar algo para comer. Eu me sentia mais leve por ter compartilhado com Lena pelo menos um pouco do que me acontecera, e me sentia melhor ainda por estar longe de casa, longe de onde tudo havia acontecido, longe de todos os outros.
A comida vegana de Lena estava acabando, então nos conformamos em deixar que só ela comesse enquanto tentávamos cozinhar salsichas enlatadas com macarrão instantâneo no fogareiro. Augusto foi o primeiro a desistir e foi dormir logo cedo depois de comer alguns biscoitos.
Geff dormiu comigo, mas eu não fiquei tão incomodado com os seus roncos quanto Lena, eu peguei no sono rápido e não acordei durante a noite, eu estava me sentindo limpo e em paz depois de conversar com Lena e caí mais uma vez naquele sono sem sonhos.
Logo de manhã Geff acordou todo mundo bem cedo e liderou enquanto desarmávamos o acampamento, em menos de uma hora o barqueiro iria chegar para nos levar até Ponta Negra onde iriamos acampar mais uma noite antes de voltar e seguir caminho para Sana.
Tínhamos acabado de tomar café quando o barco chegou, subimos as mochilas nas costas e sem deixar nada para trás nós entramos no barco.
O barqueiro, um morador local que trabalhava com o barco/táxi levando e buscando as pessoas nos extremos da região, se assustou quando dissemos que acamparíamos na clareira, perguntou se não preferiríamos acampar na praia, já que era mais confortável e mais seguro, sem o risco de encontrar com animais, mas Jonas logo tomou frente da conversa e disse que não, que acampar na praia da Ponta Negra nos obrigaria a fazer a trilha até a cachoeira duas vezes no mesmo dia, para ir e voltar, enquanto acampar na clareira era mais perto, não precisávamos fazer a trilha e poderíamos voltar mais vezes na cachoeira antes de irmos embora. Não me importei, já vinhamos dormindo na praia por duas noites, seria bom ficar um pouco mais dentro da floresta.
VOCÊ ESTÁ LENDO
VOLITARE | (Romance Fantasia Gay) | COMPLETO
Teen FictionVocê já sonhou que estava voando? Você já sonhou que estava caindo? Guilherme ficou internado durante três meses em um hospital psiquiátrico depois de uma suposta tentativa de suicídio e recorrentes sonhos e visões. Embora os médicos atestassem su...