Eu fui arrastado por centenas de metros corredeira abaixo, batendo em rochas e descendo aclives e sendo arremessado por curvas sinuosas. Havia sido o suficiente, meus amigos haviam me visto despencar, provavelmente Lena àquela altura estaria desesperada, Augusto ainda mais, e Jonas como cúmplice daquilo tudo apenas dissimulando uma preocupação que não era de fato legitima. Eu sentia muito por Lena e por Augusto, e talvez um pouco por Geff, mas por Jonas não, se o que Geff dissera fosse verdade era ele quem arquitetara tudo aquilo, o acampamento, o acidente que havia matado Érico, a emboscada em Recife e tudo o mais, enquanto eu rolava pelas águas turvas eu conseguia tirar um pouco da raiva que sentia por Geff e transferi-la para Jonas, mas não era ainda o suficiente para perdoá-los.
Tudo havia parecido um acidente, a cabeça d'água se erguendo com o grande volume devido à chuva forte longe dali, a força que eu precisei empregar para afastar Geff e a queda, tudo havia sido muito bem pensado, Rafael havia premeditado tudo, estudado o terreno e a precipitação da chuva naquele dia, por isso a necessidade de ser ali, por isso a urgência de ser naquele dia, era a minha chance de fazer parecer real e enquanto eu lutava para não ser engolido de verdade pelas águas eu me convencia de que havia dado certo.
Quando as águas passaram por cima de mim e toda aquela agitação se acalmou eu estava em uma parte larga do rio não muito longe da cidade, mas também não muito perto do entreposto onde eu deveria me abrigar. As ondas fortes se passaram por cima de mim e então eu parei de me esforçar e deixei que as águas me abraçassem e que o frio tomasse o meu corpo, fiquei inerte boiando no meio do rio e sendo arrastado devagar por seu curso por alguns longos minutos enquanto tentava recuperar o fôlego, enquanto tentava me acalmar. Eu tinha de agir rápido, eu precisava me esconder antes que os rastreadores começassem pelas buscas, antes que eles descessem pelo rio procurando por sinais meus. A partir dali eu não poderia mais voar, eu não poderia fazer mais nenhum truque, qualquer coisa que eu fizesse seria facilmente rastreado por eles, então eu teria de seguir a pé por algumas horas até encontrar o lugar onde Rafael havia preparado para eu pernoitar.
Nadei até a borda do rio e com dificuldade e fraqueza eu saí do meio das águas, me joguei na beira lamacenta do rio e tentei respirar com mais calma, tentei não congelar. Era difícil, continuava chovendo ali e minhas roupas molhadas não facilitavam em nada. Eu teria de seguir para o leste me distanciando ao máximo do rio e logo encontraria uma fazenda depois de cruzar uma estrada, mas eu teria de seguir pelos pastos e várzeas, eu não poderia seguir estrada nenhuma, precisava ser rápido e evitar ao máximo ser visto. A vantagem da chuva era essa, mesmo fina ela diminuía a visibilidade à distância, e as pessoas evitavam sair de casa nos dias chuvosos já que as maiorias das estradas que saíam das fazendas naquela região eram de terra. Eu tinha só que caminhar em linha reta o máximo que conseguisse na direção Leste até passar pelas ruínas da Ponte Seca, a antiga estrada ferroviária do estado. Assim eu fiz, logo que recuperei o fôlego eu me levantei e com passos rápidos iniciei a caminhada pelos longos seis quilômetros que precisava transpor.
Rafael havia me feito decorar cada detalhe, o relevo, o nome das fazendas, o nome das estradas, e quando eu cruzei a estrada estadual eu soube que eu estava no caminho certo. Na metade do caminho eu passei por uma capela, contornei o terreno e subi por uma colina de pasto e metade arborizada, lá de cima eu podia ver mais ou menos onde eu estava e corrigir minha posição em relação às ruínas. Por sorte eu estava no caminho certo, as orientações de Rafael foram bem precisas e se eu continuasse naquele ritmo em pouco menos de uma hora eu estaria seguro.
As chances de os rastreadores me encontrarem já estavam reduzidas, os primeiros minutos eram cruciais, àquela altura Lena ou Augusto já teriam ligado para os bombeiros, para a policia ou para a guarda florestal, nem mesmo Geff teria dúvidas de que havia sido um acidente, a cabeça d'água havia vindo como um tsunami repentino, não haveria como prever ou premeditar aquilo, pelo menos eles acreditariam que não, e uma vez que houve testemunhas os procedimentos de busca logo seriam tomados pelos agentes locais do corpo de bombeiros. Eu seria dado como desaparecido antes de ser dado como morto, em algumas semanas eles desistiriam de me procurar, eu já estaria longe o bastante para os rastreadores desistirem de mim também. Haveria cobertura da imprensa, acidentes como aquele em cidades pequenas sempre era noticiados, e Lena e Augusto não facilitariam as coisas, logo a notícia chegaria ao meu pai e ele exigiria com força e determinação que eu fosse encontrado. Eu sabia que seria duro para todos eles não encontrarem nada nunca, mas eu já havia me convencido também de que aquele era o único jeito seguro de fugir. No dia seguinte Diana estaria comigo, e no outro Rafael nos buscaria e então estaríamos nós três mortos para todo mundo ali, mas atravessando o atlântico em um navio rumo a uma nova vida, uma vida minimamente mais segura.
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VOLITARE | (Romance Fantasia Gay) | COMPLETO
Novela JuvenilVocê já sonhou que estava voando? Você já sonhou que estava caindo? Guilherme ficou internado durante três meses em um hospital psiquiátrico depois de uma suposta tentativa de suicídio e recorrentes sonhos e visões. Embora os médicos atestassem su...