Nem eu nem Diana conseguimos voltar a dormir. De repente eu me apavorava com a possibilidade de voltar a dormir e de repente acordar despencando do teto outra vez e Diana não estava certa do que acontecia e parecia pensar em mil formas de me ajudar, mas acontecia que não tinha como me ajudar, eu não controlava o meu sono, eu não controlava os meus sonhos e eu sabia que cada uma daquelas visões noturnas eram fractais de uma realidade e sentimentos tão antigos, mas tão vivos na minha memória e por isso me apavoravam.
Quando Rafael voltou para o quarto ele não soube o que dizer no primeiro momento, eu ainda estava jogado sobre a cama quebrada com Diana me abraçando e tremendo de nervosismo junto de mim. Eles murmuraram algo sobre mim, disseram um para o outro que os terrores noturnos já deveriam ter passado, que àquela altura eu não deveria mais acordar no meio da noite flutuando pelo quarto, mas a verdade é que nenhum deles sabia o que estava realmente acontecendo.
Eu me dividia, era como se dentro da minha mente houvessem dois espaços opostos, um que estava aceitando e lidando com aquilo tudo de um jeito fácil e racional, levando as coisas com naturalidade e me permitindo ser levado de um canto para o outro por um extinto de autopreservação velada, e um outro lado que não queria de modo algum fazer parte daquilo, que lutava para negar aquela realidade inusitada, que se prendia nas lembranças de um passado normal e sem medos.
Nos dois lados da minha cabeça estava Geff, mas não o mesmo, de cada lado estava um Geff, e eu entrava em conflito toda vez que pensava nele e em qual dos dois eu deveria acreditar. A resposta era óbvia, mas me doía e me conflitava como uma guerra interna que não cessa nunca, como quando eu não sabia se acreditava ou não em Rafael, como quando eu não sabia se confiava nas coisas que ele me dizia ou se refutava suas afirmações, eu tentava fazer o mesmo com a verdade escancarada de Geff. Eu preferia duvidar do que jogar um balde de água fria na ilusão que eu tinha dele de amor e proteção. Eu já havia condicionado o meu estado de vida normal à ser sempre em fuga, sempre me escondendo e descobrindo mais e mais sobre mim mesmo, mas eu havia condicionado tudo aquilo à presença dele, ao aperto de mão dele firme, à proteção tênue que ele parecia transmitir, eu me consolei com a perda da minha antiga vida por ter ele ainda comigo, mas então de repente eu me via sem mais nada disso, sem minha vida antiga, sem meus amigos, sem minha família e sem o meu melhor amigo, sem qualquer menção de amor.
Eu não tinha mais perspectiva alguma, eu não tinha mais esperança alguma, a segurança que Rafael me prometera havia sido destruída por minha culpa, e eu não conseguia acreditar que qualquer outro lugar no mundo pudesse me trazer segurança e paz outra vez sem o risco iminente de destruição. Eu não conseguia ver um palmo a frente do meu nariz, eu não conseguia imaginar o amanha, eu não sabia o que poderia acontecer no dia seguinte, muito menos em um mês, ou um ano, tudo parecia sombrio demais para mim. E então os sonhos voltaram, e eu tornava a ter medo de dormir, não só pelo que poderia acontecer, mas pelo medo de aquilo acontecer todas as noites como acontecia no sanatório, como acontecia em casa, eu tinha medo de fechar os olhos e então acordar amarrado à cama, com os braços e pernas presos sem poder me mexer. Eu não me lembrava mais como era dormir sem Geff, como era passar a noite com a mente tranquila sem medo, sem perturbações, sem sonhos, porque eu tinha plena certeza de que era a presença de Geff na minha cama que fazia os sonhos cessarem, era o abraço dele nas noites mais densas que fazia os pesadelos se afastarem. Geff se transformara na minha âncora e de repente eu me vira perdido à deriva num mar estranho sem âncora ou norte para onde voltar, e se eu fechasse os olhos de novo eu poderia tornar a vê-lo, mas vê-lo de uma forma que me magoaria, vê-lo de uma forma que não seria mais justo para mim lembrá-lo.
Por isso eu chorei com Diana, eu chorei porque meus amigos àquela altura estavam juntos seguindo a vida normalmente longe de mim, eu chorei porque eu nunca mais teria aquilo de volta e daquela vez era definitivo, não era como quando eu fui internado, não!, era para sempre, eu nunca mais poderia envolvê-los na minha vida outra vez, seria arriscado para mim, para eles e para quem quer que estivesse ao meu redor. Rafael sempre tivera razão, ele esteve certo o tempo todo, estava certo quando relutou em levar Geff junto de nós, quando me alertou na primeira noite na floresta, e quando disse que eu precisava esquecer a minha antiga vida.
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VOLITARE | (Romance Fantasia Gay) | COMPLETO
Teen FictionVocê já sonhou que estava voando? Você já sonhou que estava caindo? Guilherme ficou internado durante três meses em um hospital psiquiátrico depois de uma suposta tentativa de suicídio e recorrentes sonhos e visões. Embora os médicos atestassem su...