Capítulo 19

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No dia seguinte Rafael disse, a contragosto, que Geff poderia escrever uma carta. Um dos volitares sairia em resgate na sexta-feira e ele poderia despachar no serviço postal de qualquer uma das cidades por onde passasse, de forma que não haveria como ser interceptada ou rastreada, o selo postal e carimbo seriam de outro estado e o endereço do remetente dissimulado. Mas disse também que não haveria resposta. Mesmo assim Geff ficou animado com a permissão, diana arranjou papel e caneta para ele que desatou logo a escrever. Enquanto ele se entretinha criando explicações incompletas que justificassem a sua ausência repentina, Rafael veio tratar comigo de outros assuntos.

Ele falou da hierarquia de comandos da cidade, como toda comunidade eles eram regidos pelos vetos e concessões de um líder, um responsável maior. De certa forma eu ainda não fazia parte daquela comunidade, oficialmente eu não gozava dos privilégios e proteção estendida daquela pequena confederação. Haveria um encontro no sábado à noite, mais precisamente na madrugada de domingo, no Farol da Lua Cheia, uma espécie de apresentação formal e iniciação. Na ocasião eu conheceria melhor os outros membros da comunidade que tinham moradia fixa na cidade e alguns poucos que estavam de passagem, conheceria também o mandatário, a quem todos seguiam e que era o centro daquela instituição clandestina.

Eu assenti a tudo, disse que iria, afinal eu não tinha muita escolha ou melhores opções. Rafael pediu que não me preocupasse, era apenas formalidade a apresentação, e que os encontros aconteciam semanalmente no Farol, mas que aquela era uma noite propícia para bons acordos e revelações, uma vez que seria super lua cheia, e o abraço gravitacional da lua e a terra estaria mais estreito.

Não saí do quarto muitas vezes naquele dia, nem no dia seguinte, exceto para comer e ir ao banheiro. Diana era quem sempre batia à porta me chamando paras as refeições que ela mesma preparava para todo o grupo. Ela cozinhava bem, sempre reinventava alguma coisa e dominava bem a culinária tradicional, era bom voltar a comer comida e não besteiras de acampamento como miojo e salsicha cozida.

Rafael trabalhava ali perto, em uma empresa de tecnologia, eu não sabia exatamente fazendo o que, mas o emprego era obviamente uma fachada. Alguns dos outros rapazes da casa também trabalhavam lá, e outros dois trabalhavam na parte leste da cidade no porto, um deles chegou até a dizer que poderiam arranjar um trabalho para Geff lá, que só precisávamos ajeitar a documentação e tirar novas carteiras de trabalho que poderiam ajudá-lo, ele seria útil, afinal era um cara forte.

Diana recomendou um supletivo em uma escola ali perto poucas ruas abaixo, disse que poderíamos fazer um nivelamento por prova, e que em um ou dois meses poderíamos pegar um certificado de conclusão. Se eu escolhesse ficar na cidade de vez, se meus pais se mudassem para lá eu poderia até mesmo estudar em alguma das universidades dali. Aquilo me deu um pouco de esperança, apesar do estranhamento e da pressa em fugir não era como se eu tivesse de parar definitivamente a minha vida, embora minha vida anterior precisasse ser esquecida assim como eu precisava esquecer meu antigo sobrenome, eu não precisava viver escondido ou fugindo, eu podia começar a traçar um novo horizonte, eu podia fazer planos e criar um futuro, aquilo era alentador.

No sábado pela manhã Rafael não foi trabalhar, ele acordou cedo e quando me viu já de pé pediu que eu me vestisse pois iriamos dar uma volta pelo bairro, ele queria mostrar um pouco da cidade para mim já que finalmente o tempo se abrira e deixara de chover.

Deixei Geff dormindo e saí com Rafael andando devagar pelas ruas de sobrados e prédios antigos. Fomos andando até a Praça Rio Branco, o Marco Zero, de onde se via o mar se abrindo no horizonte. Não pude deixar de pensar em Jonas, no quanto ele fosse gostar daquele lugar, Augusto também, e Lena que sempre fora a mais urbana de todos nós.

Rafael apontou para um ponto específico no mar e eu avistei não muito longe o que parecia um farol antigo, aquele era o farol do qual ele falara. Um caminho estreito se erguia no meio do mar serpenteando até o farol, rochas no meio do mar calmo, areia e concreto. Era um lugar bonito, imaginei como seria à meia-noite com a lua cheia no céu iluminando o mar. Aos poucos eu começava a descobrir porque Rafael gostava tanto daquele lugar, porque ele gostava daquela cidade. As ruas estreitas tinham seu charme aquela nostalgia de parecer perdida no tempo, os sobrados e prédios públicos antigos remontavam outros séculos e ao mesmo tempo eram envoltos por um ar bucólico, mesmo o sol no alto do céu não desbotava as cores vivas das fachadas.

VOLITARE | (Romance Fantasia Gay) | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora