Eu queria dormir, mas Rafael não deixou, ele fez com que eu entrasse no banheiro e tomasse um banho para amenizar um pouco o efeito da bebedeira na noite anterior e acordasse pelo menos um pouco para que conseguisse entrar no carro e tivesse minimamente são para poder me despedir de Rosa e José por definitivo, e temporariamente de Diana.
Eu entrei no chuveiro depois de muito ele insistir, eu me lavei e tirei a sujeira da noite e o peso dos tormentos anteriores, deixei que tudo escorresse pelo ralo e mesmo bêbado eu prometi para mim mesmo que enfrentaria o que viria com coragem, que encararia o próximo desafia sem medos, confiando na promessa de Rafael de que uma vida nos esperava dali alguns dias.
De banho tomado Rosa me abraçou e me desejou boa sorte, mesmo ainda um pouco bêbada como eu e Diana ela disse que Maria Gorda, o baobá, já me abençoara e que daria tudo certo para mim. Eu agradeci a estadia, o carinho e o zelo com o qual ela nos tratara e agradeci pela noite de choro, havia sido bom chorar com ela, havia sido bom beber e esparecer por algumas longas horas com a sua irreverência e alegria luminosa.
Depois das despedidas e da promessa de Diana de um futuro reencontro eu entrei na barca com Rafael, me despedindo da ilha e de um antigo Guilherme, de minha última vida e começando a imaginar e a me permitir sonhar com coisas melhores.
Havia um carro próximo à Praça XV no centro do Rio de Janeiro estacionado para nós. Entramos em silêncio e enquanto Rafael dirigia eu buscava uma posição minimamente confortável para dormir no banco da frente. Por longas horas eu fiquei adormecido e quando estávamos quase chegando à cidade onde eu nascera eu acordei um tanto mais sóbrio, mas com uma puta dor de cabeça.
Quando acordei Rafael revisou alguns pontos importantes do nosso plano, descreveu os lugares por onde eu deveria passar e onde e em qual horário eu o encontraria. Cada detalhe era importante, tudo tinha de ser o mais preciso possível. No fim do dia eu deveria estar em Sumidouro com os meus amigos, e ainda naquele dia, no mais tardar da noite eu deveria estar em um entreposto não muito longe da Cascata Conde D'eu. No dia seguinte Diana iria me encontrar e em mais dois dias Rafael iria buscar nós dois, no descampado entre as ruínas dos antigos trilhos do trem de ferro.
Rafael me deu água com gás e aspirinas que havia comprado em algum lugar no caminho enquanto eu dormia, eu bebi e o agradeci.
— É muito importante que tudo dê certo — Rafael completou. — Nós vamos deixar uma trilha para que ele sigam, os rastreadores vão continuar nos buscando, mas essa trilha não vai os levar até nós. Por isso eu preciso que você vá ao lugar certo e que obedeça os prazos que combinamos. Por favor.
— Certo — eu respondi. — Eu vou fazer do jeito certo.
— Você entende que precisa ser hoje? — Rafael perguntou incisivo. — Hoje você desaparece aqui, amanhã Diana desaparece no Rio de Janeiro e dois dias depois eu é quem sumo em Minas Gerais. Eles precisam acreditar que não foi algo orquestrado, que foram acidentes ou imprudência, desespero de quem está fugindo sozinho.
— Sim, eu entendo — respondi soturno.
— Você já decidiu como vai fazer isso? — Rafael perguntou deixando o tom incisivo e parecendo mais sensível então. — Me desculpe por te pedir isso.
— Eu já te desculpei — eu respondi. — E sim, eu já decidi como vou fazer isso.
— Boa sorte — Rafael me desejou virando na estrada e entrando devagar na cidade para onde eu tanto quisera voltar nos últimos meses.
Ali as coisas continuavam exatamente como eu me lembrava delas, o mesmo amontoado de casas nas mesmas cores de sempre, um pequeno comércio ao redor de uma praça central e uma confusão de pedestre, carros e bicicletas na avenida principal. De acordo com que íamos nos distanciando centro da cidade e íamos nos aproximando da casa de meus pais eu começava a sentir de novo aquele medo de antes e a perder um pouco da confiança recém adquirida e a fé cega de que aquilo daria certo. Eu resisti e tentei convencer-me mais uma vez de que aquele era o único jeito, era nossa última saída.
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VOLITARE | (Romance Fantasia Gay) | COMPLETO
Teen FictionVocê já sonhou que estava voando? Você já sonhou que estava caindo? Guilherme ficou internado durante três meses em um hospital psiquiátrico depois de uma suposta tentativa de suicídio e recorrentes sonhos e visões. Embora os médicos atestassem su...