No dia seguinte antes de partir Rafael veio falar comigo, ainda era cedo, mas eu não tinha conseguido dormir muito, estava de pé já fazendo companhia a Diana enquanto ela preparava o café. Diana conseguia fazer aquele truque que Rafael me mostrara em outras escalas, ela conseguia atrair para si objetos que estavam do outro lado da cozinha e até mesmo acender o fogo sem isqueiros ou fósforos. Eu estava encantado com o que ela fazia e assim como Rafael dissera ela era atenciosa e bem disposta a ensinar.
Rafael desejou bom dia e perguntou se eu podia sair por alguns minutos com ele. Fui seguindo-o devagar pelas ruas calçadas e de trilhos antigos. As ruas estavam movimentadas, como estivera no dia anterior, muitos turistas passavam e famílias aproveitavam o domingo de sol pela praças e museus. Eu ainda não havia me acostumado a estar em uma cidade grande, pelo menos não livre, e ver tantas pessoas diferentes e estranhas, era um misto de sensação, insegurança e alumbramento. Recife era lindo à luz do dia, as cores dos prédios e sobrados antigos luziam contra o sol, e eu consegui perceber detalhes e cheiros que eu não havia notado no dia anterior.
— Eu só queria conversar com você — Rafael disse quando nos distanciamos do sobrado, — antes de eu sair de novo.
— Pois diga.
— Meu trabalho não é exatamente aqui em Recife — ele explicou. — Eu trabalho pela região, rastreando e resgatando, como você deve ter percebido. Eu não costumo ir longe, exceto com você que foi um caso à parte, eu sempre fico perto de Recife. Mas dessa vez é diferente é diferente também.
— Diferente como?
— Eu vou à Minas — ele respondeu. — Temos informação de um laboratório clandestino lá.
— Que tipo de laboratório? — Perguntei já imaginando o pior.
— Testes e replicações. Nem todos de nós somos capturados e apagados, quanto mais habilidades desenvolvemos maior o nosso risco de nunca sermos libertados.
— O que isso quer dizer?
— Você já deve ter entendido que o que a gente faz não é só voar, isso que tá dentro de nós não é um superpoder como nos filmes de heróis.
— O que é então?
— Ninguém sabe direito, experiência genética, alteração no DNA, projeto soviético, tem mil possibilidades. O problema é que isso se espalhou feito uma doença, nós nos escondemos há muito tempo, o suficiente para nos multiplicarmos. A gente não sabe muito, mas sabemos que os rastreadores cumprem o papel de higienização, de limpeza e de nos dizimar, eles nos querem em extinção. Mas tem quem tenta entender e isolar isso, o fator genético ou o que quer que seja. Já encontramos pelo menos outros dois laboratórios como esse, e conseguimos sabotar. É o que vamos fazer agora.
— Você vai para a toca do lobo.
— Mais ou menos isso.
— E como você... sei lá, sabotar esse laboratório? — Perguntei meio incerto daquilo, na minha cabeça parecia loucura.
Eu não queria me importar com Rafael, eu queria não ligar para ele e deixar que ele fosse naquela missão suicida sem ressentimentos, queria não me importar se ele morresse, e não me preocupar enquanto ele estivesse fora e não tivéssemos notícias, mas não era assim que as coisas funcionavam. Quando eu olhava para ele eu conseguia reconhecer o meu pai, nos traços físicos e no jeito de olhar, por mais que eu estivesse perdido ali naquela cidade rodeado de estranhos ele era, além de Geff, a única coisa familiar para mim, ele conseguia me remeter àqueles dias quando eu ainda não me importava e não me preocupava com perseguições e planos e comunidades. Por mais que ele dissesse que eu estaria seguro com Diana, que os outros cuidariam de mim por enquanto, e que logo meus pais voltariam para mim eu pensava naquele momento, no presente e na necessidade de tempos de paz, de poder contar com ele já que finalmente eu conseguia confiar.
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VOLITARE | (Romance Fantasia Gay) | COMPLETO
Teen FictionVocê já sonhou que estava voando? Você já sonhou que estava caindo? Guilherme ficou internado durante três meses em um hospital psiquiátrico depois de uma suposta tentativa de suicídio e recorrentes sonhos e visões. Embora os médicos atestassem su...