Eu passei o dia encarando as paredes e pensando em tudo o que havia acontecido nos últimos meses. O dia na fazenda era silencioso e propício aos pensamentos mais fantasiosos, sem a sinfonia do crocitar de sapos e os sonidos dos grilos reverberando pela cabeça era fácil imaginar coisas que não eram tão saudáveis de imaginar. Eu achei que ia me sentir mal pelo que havia feito e que iria carregar comigo um remorso profundo pela situação que eu deixei para os meus amigos e parentes, mas eu não me sentia mal, eu não sentia aquele peso esmagador do remorso, eu não me sentia culpado, nem mesmo arrependido. Era estranho, parecia que no momento em que eu caí do alto da cascata eu me desassociei de mim, eu deixei o antigo Guilherme para trás e saí do rio diferente, não só fisicamente de cabelo raspado, mas em essência, era como se finalmente eu estivesse pronto para deixar tudo aquilo para trás, deixar minha família, meus amigos e as lembranças ruim daquela antiga vida.
Não precisava ser tão ruim quanto eu tentava fazer parecer, eu me consolava com isso.
Eu passei longas horas pensando em Geff, nas coisas que ele me dissera, e só o que me vinha na memória era a expressão no rosto dele quando eu desfiz o nosso último beijo e o empurrei para fora do rio, para longe das água truculentas, para mais uma vez longe de mim. Eu queria me convencer de que eu havia o superado, que o havia guardado no canto escuro do meu peito onde eu escondia todas as minhas frustrações e lembranças ruins, mas eu não conseguia, eu ainda estava confuso quanto ao que eu sentia por ele, e quanto ao que ele sentia por mim, antes de Geff eu nunca havia pensado em me apaixonar por outro rapaz, eu nunca havia pensado que eu conseguiria me entregar a um outro garoto, eu nunca havia imaginado um desejo tão avassalador assim dentro de mim. Pensar nele como o primeiro para quem eu me entreguei era confuso, era assustador, pensar que eu havia me deixado embrenhar em sua teia, que eu permitisse que ele arquitetasse e conspirasse por minhas costas enquanto eu só conseguia enxergar nele uma forma intensa de amor era dolorido demais para mim. Mas então eu me questionava se todas as vezes que nos beijamos havia sido dissimulada como todo o resto ou se havia sido real, porque ele poderia ter continuada com tudo aquilo sendo só meu amigo, sendo apenas meu companheiro, ele não precisava fingir me amar. Eu o levaria comigo mesmo que eu não o amasse daquele jeito, eu iria querer ter ele comigo mesmo sendo apenas meu amigo, meu melhor amigo, porque mesmo antes de tudo isso ele já era especial demais para mim, e eu sentia muito a ausência dele.
Eu consegui ouvi-lo ainda dizendo que me amava, conseguia ouvi-lo dizer aquilo ainda no acampamento, em Paraty ou em Sana, em Recife no sobrado de Diana e uma última vez no alto da cascata seguido por um apelo desesperado para que eu fosse embora. A urgência na voz dele e a dor na fala eram tão verdadeiras que me faziam acreditar que ele podia sim me amar e que ele talvez não compreendesse tudo aquilo, que ele ao certo não conseguiria enxergar todo aquele universo da mesma perspectiva que eu, mas que mesmo assim o sentimento que desenvolvemos ao longo dos dias não era invalidado por isso, talvez trair-nos tenha sido tão dolorido quanto foi para nós sermos traídos.
Eu me peguei no meio da tarde tentando me convencer e desejando que Geff não fosse o vilão que eu pintei na minha cabeça, que ele não fosse o carrasco que eu acreditei ser, eu me peguei pensando que talvez tivesse sido diferente e tentando amenizar as consequências de tudo o que ele fez.
Por fim só Rafael tinha razão, eles estavam nos caçando desde que eu fui para o sanatório no Rio de Janeiro, eles estavam atrás de mim o tempo todo em Paraty e em Sana, talvez se eu tivesse escutado o conselho de Rafael e sido confiante desde o início talvez eu não tivesse me envolvido com Geff, talvez eu não tivesse ficado em Sana até o meu aniversário, não haveria fogueira nem presentes, nem beijos na barraca, nem carinho, nem afeto, nem uma sombra daquele amor, eu teria fugido sozinho com Rafael e evitado tudo aquilo. Eu só não sabia precisar se eu queria ou não ter evitado aquele amor.
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VOLITARE | (Romance Fantasia Gay) | COMPLETO
Teen FictionVocê já sonhou que estava voando? Você já sonhou que estava caindo? Guilherme ficou internado durante três meses em um hospital psiquiátrico depois de uma suposta tentativa de suicídio e recorrentes sonhos e visões. Embora os médicos atestassem su...